“Bertoleza é que continuava na cepa torta, sempre a mesma crioula suja, sempre atrapalhada de serviço, sem domingo nem dia santo (…)“, O cortiço (1890)
A literatura, o audiovisual e as redes sociais se tornaram ferramentas valiosas para a divulgação de informações e para a construção de uma cultura antirracista em meio as pessoas brancas. “A gente está num momento bom para quem faz parte dos grupos e quem está afim de aprender. A internet possibilitou o acesso às oportunidades que a gente não tinha até pouco tempo atrás. Aí as pessoas começam a se letrar.”, observa a professora, escritora e doutoranda Maria Carolina Casati, criadora do perfil @encruzilinhas, no Instagram, onde partilha leituras e debate textos sobre negritude, gênero, feminismos e militância.
Uma sala de aula organizada com cadeiras voltadas para uma pessoa apontando para slides, com mil frases complexas sobre uma teoria é uma cena que já causa certa rejeição só de imaginar. Se o assunto for espinhoso e provocar algumas culpas, é certeira uma evasão numerosa ou uma presença distraída dos alunos.
Por isso, não é de se estranhar que a aprendizagem dos adultos, especialmente em assuntos culturais e comportamentais, se desenvolve melhor sem a formalidade dos diplomas escolares. E é justamente nesta brecha que a arte tem encontrado caminhos para ser mais do que prazer e diversão, mas uma forma de educar sobre diversidade.
Neste sentido, os espaços de discussão sobre artes visuais e literárias na internet têm sido ferramentas de fortalecimento de uma cultura antirracista. Um exemplo é o próprio @encruzilinhas, que surgiu durante a pandemia, em 2020, para que Maria Carol compartilhasse seus conhecimentos respeitando o distanciamento social enquanto seu doutorado estava em pausa. O projeto fez tanto sucesso que permanece vivíssimo e, hoje, também amplia o debate em eventos presenciais.
Os próprios artistas também têm utilizado as brechas das redes sociais e dos streamings para instruir o público sobre pautas diversas. No documentário Racionais: das ruas de São Paulo para o mundo (2022, dir. Juliana Vicente), por exemplo, o rapper Mano Brown abre sua visão sobre o Brasil ao dizer coisas como “O tipo de racismo que se vive no Brasil é um racismo que esvaziou o preto. Ele não deixou nem o ódio.“. Brown, que também está à frente do podcast entrevistas Mano a Mano, informa sobre antirracismo através da humanização da dor que só a arte consegue fazer de forma arrebatadora .
O documentário foi utilizado como ferramenta educativa no debate virtual dos assinantes da newsletter “Tempo para você”. “Eu pausei o filme e ia desistir porque estava muito difícil e doloroso. Continuei porque minha filha, mais informada, disse que era importante saber o que as pessoas tinham sofrido”, comentou a participante Cassia Becker, mulher branca e professora recém-aposentada.
Outra tarefa do clube era ler o livro O cortiço (1890), do maranhense Aluísio de Azevedo. A raiva das descrições e do desenrolar da narrativa na leitura e o abalo com o documentário eram unânimes entre brancas e pretas. Esse tipo de conquista é possível quando se reflete sobre a fala de Mano Brown e ao perceber o fato desses sentimentos serem necessários para que as mudanças sejam efetivas.
REPRESENTATIVIDADE DAS EXISTÊNCIAS
É também através do movimento artístico que os povos marginalizados conseguem ocupar espaços profissionais e dar nome aos seus sentimentos e suas existências. Juliana Castro, mulher negra e gerente de relacionamento no mercado da música, conta que iniciou o processo de tomar para si sua própria voz e história através da literatura: “Li Um defeito de cor (2006), da Ana Maria Gonçalves, ano passado, e trazia tanta informação importante que decidi ficar um ano lendo o máximo de autoras negras brasileiras que posso. Me levam a entender quem sou eu no Brasil. No fim do dia, a gente só quer saber em quem pode se espelhar. O romance ajuda a chegar nisso.”, relata.
Entender a si mesmo na história do Brasil é fundamental para pessoas pretas verbalizarem suas dores e cobrarem seus direitos. Mas, no século XXI, não há como escapar das aulas que a arte vem dando e quem precisa gabaritar este boletim é a branquitude. E é preciso correr, pois a matéria já está acumulada.
QUEM É GABI ALBUQUERQUE?
Gabi Albuquerque é jornalista há mais de 10 anos, especialista em bem estar pela PUC-RS,
escritora e criadora da newsletter “Tempo para você”.
FIQUE POR DENTRO
SUGESTÕES PARA APRENDIZADO
LEITURAS:
- Água de barrela (2016), Eliane Alves Cruz
- Torto Arado (2019), Itamar Vieira Jr
- O avesso da pele (2020), Jeferson Tenório
- Ponciá Vicêncio (2003), Conceição Evaristo
- Um defeito de cor (2006), Ana Maria Gonçalves
AUDIOVISUAL:
- Emicida: AmarElo – é tudo para ontem (2020)
- Medida provisória (2022)
- Racionais: das ruas de são paulo para o mundo (2022)
PERFIS NAS REDES SOCIAIS:
- @encruzilinhas
- @gabidepretas
- @professor.sidnei (Sidnei Barreto Nogueira)