Omote desta edição – “Inventar Futuros” – me lembrou um dos grandes temas da ficção científica: as distopias. As distopias geralmente tratam de um momento do mundo em que a humanidade perdeu a esperança de futuro. Estão muito presentes nos filmes de ficção científica e existem pelo menos dez tipos que eu poderia citar e tenho certeza de que vão te fazer lembrar de algumas referências: fim dos recursos naturais, pessoas que desaparecem, a tecnologia que falha, a terra abandonada, um holocausto nuclear, monstros ou aliens, desastres naturais, levante das máquinas, epidemias e zumbis.
Pensamos logo nos filmes, mas tratando, particularmente, de epidemias, podemos pensar em diversos livros clássicos que a humanidade já produziu. Alguns deles são, por exemplo, o antiquíssimo “Decamerão” (1348-1353), de Bocaccio, ou “Um Diário do Ano da Peste” (1722), de Daniel Defoe. Ou então os clássicos literários “O Amor nos Tempos do Cólera” (1985), de Gabriel García Márquez e “Ensaio Sobre a Cegueira” (1995), de José Saramago. Ou mesmo os mais recentes Black Hole (2008), de Charles Burns e Guerra Mundial Z (2013), de Max Brooks, trataram deste tema. Esse imaginário faz parte da humanidade. E recentemente, o vivemos na vida real.
É impressionante termos experimentado dois anos de uma pandemia mundial há tão pouco tempo. Tenho sentido que, por vezes, muitos de nós não vemos com clareza os impactos deste período no nosso dia a dia, porque parece que o “novo normal” – que acreditávamos que viria a existir, não vingou – e passou a ser o “antigo normal” novamente. Mas é uma ilusão pensarmos assim. Novas questões surgem no nosso imaginário todo dia após esse trauma social que vivemos coletivamente.
Ninguém passou ileso: perdemos entes queridos, passamos pelas neuroses do confinamento, amores se separaram, adolescentes lideram com a escola de novas formas, crianças aprenderam a usar máscaras desde a mais tenra idade. Eu mesma, por vezes, saio de casa e me vejo checando para ver se estou de máscara, até lembrar que não as usamos mais para sair nas ruas, como uma memória gestual de um tempo tão recente.
Afinal: “Epidemia”. O que essa palavra representava na sua imaginação antes de 2020? O que ela representa hoje? E o que será que representará no futuro?
Pensar nestes três tempos me leva a pensar em outra famosa ramificação da ficção científica que são as viagens no tempo. Enquanto em “Exterminador do Futuro”, um androide é enviado para lutar pelas máquinas em favor da destruição da humanidade, em “Os Doze Macacos”, o protagonista luta para salvar a humanidade de um vírus mortal.
O filme “Os Doze Macacos”, entre tantas ficções, chega a chocar pela previsão de uma pandemia mundial em um tempo tão perto do nosso: é na década de 2030 que a humanidade se encontra condenada a viver no subsolo como resultado de um vírus. Bruce Willis, ao interpretar o papel principal, é James Cole, um homem que, nascido no final dos anos 1980, vê o mundo ser transformado por esta epidemia viral. Ele é enviado ao passado para entender a origem do vírus e obter amostras que permitam aos cientistas desenvolver uma vacina. Para isso, ele precisa desvendar todas as ações que levaram até o confinamento da humanidade.
O filme traz em sua narrativa um dos principais embates de histórias de viagens no tempo: somos predestinados ou temos livre-arbítrio? A história se repete como um ciclo ou podemos modificá-la?
Na trilogia “De Volta para o Futuro”, viajar no tempo não tem como motivação salvar a humanidade, mas o personagem principal, Marthy, se vê em situações nas quais precisa voltar ao passado para tratar de temas da vida pessoal. Se você pudesse voltar ao passado, suas ações teriam impacto para salvar as enormes perdas que vivemos nesta distopia do mundo real? Ou os impactos seriam limitados à vida pessoal? O que faria de diferente?
Esse exercício de criatividade pode nos permitir entender nossas ações nesta linha do tempo chamada de vida e as conexões das nossas ações com a coletividade. Para isso, precisamos estar aptos para encarar o desafio, muitas vezes difícil, de lidar com nosso passado e com o presente.
E se você pudesse ir para o futuro, o que acha que seria importante levar? Esta é uma pergunta que precisamos nos fazer todos os dias, afinal, o futuro nasce a cada segundo.
“Se podes olhar, vê.
Se podes ver, repara”
José Saramago — Ensaio sobre a cegueira