Durante o período colonial, naturalistas europeus viajaram o mundo coletando amostras e estudando diversos fenômenos da natureza. Alguns dos seus trabalhos e observações revolucionariam campos científicos e dariam origem, inclusive, a novas áreas de estudo da ciência ocidental. Foi nesta época também que os primeiros museus de ciências naturais do Ocidente, como o Muséum National d’Histoire Naturelle de Paris, foram fundados e, para rechear esses museus, centenas de milhares ou milhões de espécimes de animais, plantas, minerais, fósseis e artefatos arqueológicos e antropológicos foram levados das colônias.
Apesar de o colonialismo histórico ter esmorecido depois dos processos de independência dos séculos XIX e XX, o modo de dominação colonial permaneceu vivo e ainda controla sobremaneira as relações de poder do mundo moderno. A Ciência tem sido um dos grandes refúgios do pensamento colonial, contribuindo não só para a manutenção das assimetrias de poder da sociedade atual, mas também para a perpetuação do racismo estrutural.
Na Ciência, o modelo do homem branco europeu tornou-se a referência a ser seguida. O inglês foi adotado como língua franca e revistas, instituições e até o sistema de formação de cientistas europeu tornaram-se o padrão. Outras formas de pensamento e de produção e sistematização de conhecimento foram desprezadas e assim, um sistema de concentração de poder se estabeleceu.
O modo de dominação colonial trabalha para reforçar os métodos e pensamentos que beneficiam os grupos dominantes. Além de favorecidos historicamente pela pilhagem colonial, países europeus, por exemplo, ainda hoje se beneficiam da estrutura de poder estabelecida no passado, liderando a produção científica mundial. Enquanto isso, a maioria dos territórios de ex-colônias ainda são tratados como meros exportadores de dados e cérebros e consumidores fidelizados de produtos manufaturados estrangeiros feitos a partir dos seus próprios recursos e dados.
O modelo de Ciência atual ajuda perpetuar a grande assimetria de poder na nossa sociedade. Sua concepção está enraizada nos ideais colonialistas, racistas, que favorecem as populações hegemônicas. Além disso, a profissão ainda é pouco acessível às pessoas de fora da elite, e o conhecimento, por padrão, é deliberadamente mantido afastado da sociedade. Esta estrutura não apenas gera um viés na interpretação de dados, mas também é vulnerável a manipulações em favor de interesses de grupos dominantes.
Nas últimas décadas, diferentes grupos têm trabalhado na concepção de uma Ciência decolonial, ou seja, uma Ciência livre do pensamento unilateral, enviesado e estereotipado imposto pelo modelo de dominação colonial. A Ciência decolonial enfatiza o coletivo, valoriza diferentes formas de pensar e considera as populações locais e os seus interesses no processo de produção do conhecimento. Se essa é a Ciência que queremos para o século XXI, precisamos urgente de um grito de independência.
Para se livrar dos grilhões é preciso se esforçar mais para diversificar o corpo de cientistas, ampliando políticas de inclusão e de acesso à carreira. É preciso também exigir colaborações internacionais mais horizontais e éticas, com benefícios mútuos equitativos. É fundamental ainda investir em pesquisadores e instituições locais e na valorização dos mesmos.
Finalmente, é crucial democratizar o acesso do conhecimento, tornando não apenas os dados e processos de análise amplamente acessíveis, mas disponibilizando os resultados das pesquisas em linguagem compreensível pelo público não especializado. O diálogo entre os cientistas e sociedade deve ser valorizado e revistas, como esta, inclusive, têm um importante papel neste processo. Sabendo, antes de tudo, que a independência da Ciência somente virá com um dedicado trabalho de decolonização de nossas mentes.