Tekné é a palavra grega que designa “tornar visível” e acumula os sentidos de arte e técnica, o que evidencia a mesma origem para ambas.
Com o surgimento da fotografia no final do século XIX intensificou-se uma forma particular de construção de imagens que mais e mais aderiam ao referente, ou seja, o parecer e o aparecer tornavam-se lados da mesma moeda.
A questão da verossimilhança assumia de vez a preponderância nas formas artísticas. No mesmo fim de século, o cinema tornaria ainda mais próxima a imagem do real ao reproduzir as formas visuais, e, posteriormente sonoras, em movimento.
O termo “tecnologia” foi inventado no século XVII para descrever o estudo sistemático da arte, de modo que ao longo da história a arte e técnica tiveram caminhos entrelaçados. No entanto, apenas nos anos 1980 os artistas começaram a experimentar uma nova tecnologia que ampliaria muito a relação entre o espectador e a obra: o computador. Com os sistemas interativos programando os sensores de presença muitos artistas criaram propostas para um novo modo de participação do espectador.
Em 2018 fui contemplada pelo Edital do Oi Futuro para a realização de um projeto de performance e instalação interativa intitulada Ebulição.
Há muito já trabalhava com a ideia de um cinema expandido, ou seja, projeções em grande escala em espaços museológicos e já realizara uma série de instalações que incluíam a presença do espectador para disparar o funcionamento da obra, mas pela primeira vez incluía a montagem de um poema ao vivo.
Tudo começou com um poema que havia escrito logo após a leitura do livro Safo que reunia fragmentos da poeta de Mitilene que viveu nos últimos anos do século VII a.C, na tradução de Guilherme Gontijo Flores, publicado pela editora 34 em 2017.
Safo tocou o céu
Não vai dar em água – ela disse
Mar na boca a repetir
Meio cheio é mesmo meio vazio
Mesmo assim não é assim mesmo
Naufrágio não é destino
Já vi esse filme
De pé no fundo da piscina a morte é azul
Você já chorou com óculos de mergulho?
Toda ação emana da comoção
Comova-se
Faca na água é ebulição
A performance de leitura expandida Ebulição [2018] foi pensada na menor formação do coro grego, de Ésquilo, com dezesseis vozes. O poema foi lido, então, na abertura, por um coro de 16 mulheres que performaram a leitura como uma partitura musical. Atrás das poetas estendia-se uma longa projeção de 20 metros da água que reagia, progressivamente, às vozes femininas até chegar a ebulição.
Nos dias seguintes a performance os microfones usados na abertura eram convertidos para o sensoriamento das presenças dos visitantes que ao se aproximarem levavam o sistema a reproduzir o efeito da performance e a água atingia a ebulição pelo acúmulo de vozes pré-gravadas emitidas pelo sistema interativo.
Essa obra é ao mesmo tempo uma instalação e performance de um poema em uma situação interativa, ou seja, é a presença do espectador que ativa a obra. Ao entrar o visitante vê uma ampla projeção e apenas ao se aproximar de um dos oito microfones iluminados dispara as vozes e a mudança nos estados da água. O trabalho, portanto, só ocorre na presença e pela presença do espectador.
Ebulição exemplifica os muitos extratos tecnológicos agregados em uma só obra que parte das palavras de uma artista da antiguidade para reverberar na ação performática de um canto contemporâneo através das possibilidades interativas da arte hoje.
Ebulição
performance instalativa interativa
2018
Direção de fotografia: Daniel Venosa
Programação: Julio Parente, Bruno Senise, Lina Kaplan e André Machado Parente
Expografia: Paula Quintas
Poetas: Ana Carolina de Assis, Ana Costa Ribeiro, Catarina Lins, Daniele Magalhães, Eleonora Fabião, Janice Caiafa, Julia Klien, Júlia Studart, Katia Maciel, Maria Bogado, Maria Isabel Iório.