O cosmólogo Mário Novello, reconhecido internacionalmente por suas teorias inovadoras, concedeu, à Revista Humanos, o grande prazer de realizar esta entrevista, que celebra seus 80 anos e as conquistas que foram realizadas nesta trajetória intensa, movida pelo seu interesse genuíno e incontrolável pelo pensamento acerca do Universo.
Em 2017, o seu livro “Os cientistas da minha formação” ganhou o Prêmio Jabuti na categoria de Ciências. E, em seus 70 anos, aconteceu o Mario Novello’s 70th Anniversary Symposium, no qual físicos e cosmólogos de toda a parte do mundo vieram ao Rio de Janeiro para celebrar seu aniversário e suas contribuições acadêmicas até então. Isso é apenas um retrato da sua influência e circulação no meio científico.
Considerando sua trajetória, quais os cientistas que mais te influenciaram? Em vários aspectos, tanto os teóricos que influenciaram tua teoria e teu pensamento, como também os cientistas que você conheceu na troca de pares, em simpósios e conferências.
Bom. Eu reconheço dois tipos de influência: aquelas pessoas que eu conheci pessoalmente; e outros que eu conheci somente através de textos científicos ou de livros. Vamos começar pelos que eu conheci pessoalmente. No Brasil, quando eu comecei a trabalhar em física, os físicos mais importantes para mim na época, e que continuaram depois, foram aqueles que me introduziram na área da gravitação, como o professor Colber Gonçalves de Oliveira e José Leite Lopes, que foi meu orientador de Mestrado. Leite tinha uma visão da ciência extremamente ampla e me induziu a aceitar o convite de passar alguns anos na Suíça, em Genebra, trabalhando com o cientista que tinha sido seu orientador de doutorado (em Princeton, EUA), o professor Jauch que me influenciou bastante e que foi igualmente meu orientador de tese de Doutor. Mas na verdade, mais importante foi em Genebra o encontro com o Professor Stuckelberg, um físico famoso e que certamente influenciou bastante meu modo de ver a física. Em meu pós-doutorado em Oxford, tive bastante relação com o professor Denis Sciama, orientador de vários astrofísicos ingleses, como Roger Penrose, Stephen Hawking e outros.
De outro ponto de vista, as pessoas que eu não conheci pessoalmente, as que mais me influenciaram foram cientistas que eram também divulgadores da ciência, como por exemplo Fred Hoyle, que escreveu diversos livros de divulgação extremamente importantes, Paul Dirac, Alexandre Friedman, entre outros. Esses cientistas fazem parte do meu background cultural.
Há várias outras pessoas com as quais convivi no Brasil e que me influenciaram, como o físico Carlos Márcio do Amaral e que também tinha uma visão extremamente ampla sobre a relação entre a ciência e filosofia. Acho que essas pessoas são as que descrevem mais ou menos o contexto em que eu estava envolvido no Brasil e na Suíça quando eu fui fazer meu Doutorado.
Estamos celebrando seus 80 anos, mas olhando em retrospecto, como foi a sua juventude, na infância e adolescência? Você era muito curioso, já era cientista, digamos assim, desde sempre?
Resposta muito simples. Certamente não. O que eu gostava realmente era de jogar futebol. E na verdade, toda a minha infância foi dedicada ao futebol. Eu não me interessava absolutamente por ler nada, não me interessava pelas aulas que me davam os meus professores de matemática que embora competentes e rigorosos, eram para mim extremamente longínquos. Não, não despertavam interesse na matéria. O que mais me atraia era o futebol. Eu fui de uma geração que viu jogar o Garrincha, presencialmente.
Depois de fazer o curso de física na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) que ficava no centro da cidade, onde é hoje o consulado italiano, ingressei no curso de Mestrado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que fica nos fundos da avenida Wenceslau Brás, próximo da rua general Severiano. Ora, nessa rua fica o campo do clube Botafogo. Lembro que eu e um colega equatoriano ao invés de assistirmos as aulas do curso de Eletromagnetismo do professor Tiomno, íamos sorrateiramente assistir aos treinos do Botafogo e admirar o Garrincha jogar.
Na verdade, sabíamos que poderíamos recuperar as aulas do professor Tiomno simplesmente lendo e trabalhando suas notas de aula. Sempre fui autodidata, eu aprendia mais sozinho do que com o professor. A prova disso? Simples: passei no curso do Tiomno com a nota máxima.
Ver o Garrincha jogar era uma emoção que me percorreu a vida toda. Eu adorava futebol, e ver uma pessoa com a sua eficiência, sua alegria de movimentos me encantava.
Ou seja, em minha infância, não dediquei muito tempo à cultura. Comecei a minha vida literária, digamos assim, quando tive algumas doenças, como quando quebrei uma perna e fiquei um bom tempo deitado na cama. Comecei, então, a ler por obrigação, de não ter o que fazer. Não poder jogar futebol, por exemplo. Ou seja, eu não tinha nenhum interesse por aspectos científicos diretamente. Na verdade, neste livro recente que Glaucia Pessoa e Nelson Job organizaram – “O Encantamento do Cosmos” – eu explico que meu interesse pela ciência começou quando meu pai me deu de presente um livro: “O Universo e o Dr. Einstein” de um autor chamado Lincoln Barnett. O que é impressionante é que eu tinha, 14 ou 15 anos, mas me lembro desse livro, até hoje, em seus detalhes mínimos, o que é espantoso. Eu creio poder afirmar que nenhum outro livro me tenha influenciado tanto quanto esse.
Reli esse livro recentemente e, para meu espanto, não achei nada de excepcional nele. Me espantei como esse livro pôde ter sido tão importante para mim.
É bem verdade que eu o reli mais de 50 anos depois, com uma visão totalmente alterada pelo meu conhecimento científico. Naquela época, não tinha nenhum conhecimento científico. E o livro me encantou. Ele realmente me fez ver que examinar, estudar, poder entender o universo preenche a alma de forma maior do que, por exemplo, a religião que eu recebera de minha mãe, que era religiosa – meu pai, não. Eles vieram da Calábria e trouxeram um encantamento natural pela vida, típica de camponeses da Europa. Eu creio que aquele livro me encheu a alma de alguma coisa que me acompanha até hoje e que eu simplificadamente diria que se trata do encantamento pelo cosmos. Por isso é que eu gostei muito desse título que Glaucia Pessoa e Nelson Job deram ao livro.
O modo como a ciência é vista no Brasil passou por muitas fases. E nesse momento em que estamos vivendo bem recentemente, a gente começa a ouvir falar de Terraplanismo, movimento antivacina, movimentos anticiência. Considerando toda a sua trajetória, como você vê esse momento atual, comparando com momentos anteriores, e qual a sua visão sobre esse momento que a gente vive hoje no Brasil?
De uma certa maneira, o que aconteceu nesses últimos anos é uma catástrofe. Espero que acabe a partir de domingo, nesse 30 de outubro de 2022. Certamente vai acabar. A ciência, ela não tem, digamos assim, o domínio sobre a verdade. Somente nas últimas décadas da atividade científica, começou-se a achar importante – para os cientistas – comunicar os seus conhecimentos para a comunidade não-científica. Isso foi um erro, porque deveria ter começado lá atrás, para se criar uma cultura científica que a sociedade brasileira não tem.
Quando se começou, no final do século passado – nos anos 70 ou 80 – a fazer divulgação científica de uma maneira sistemática, foi muito importante. Na verdade, a divulgação científica é exatamente o caminho que faz com que as pessoas que não são da área possam entender a importância da atividade científica. É isso que se perdeu. Na verdade, não se perdeu devido ao fato de que não há mais comunicação científica nem divulgação. Não é esse o problema. Se perdeu pelo fato de que algumas pessoas que tiveram o poder, inclusive poder de financiamento, poder político – que é mais grave ainda – ficaram contra essa atividade científica, o que para mim é uma loucura, porque essas pessoas que são contra a atividade científica, elas tomam penicilina, elas entram em avião, eles fazem tudo aquilo que a tecnologia moderna permite fazer, e que é um subproduto da ciência.
Separar ciência e tecnologia é importante em um certo nível, mas, ao nível de divulgação, isso não faz sentido. Não faz sentido porque é por aí, pelo seu uso na tecnologia, pelo fato de que temos consequências práticas, que as pessoas vão começar a olhar a ciência de um modo mais positivo.
Do meu ponto de vista, eu esperaria outra coisa, ou seja, que a atividade científica fosse considerada importante, não pela sua consequência prática, mas pelo seu poder de revelar conhecimento. Saber o que acontece no universo profundo não traz absolutamente nenhuma consequência prática no meu cotidiano, mas enche a minha alma de encantamento. Esse encantamento não é só da cosmologia. Outras áreas da física e da ciência em geral também fazem isso – como a biologia, por exemplo.
Então, essa atividade científica, ela deveria ser pensada em si, ou seja, sem precisar apelar para a tecnologia. Esse encantamento do cosmos é, de uma certa maneira, importante em si. Ele traz um certo reconforto espiritual, principalmente para aquelas pessoas que não são religiosas. Mas, mesmo para quem é religioso, isso não é uma contradição. Não há nenhuma contradição entre você ser religioso e você admirar a atividade científica, em conhecer o universo em que vivemos, em saber que existem centenas de bilhões de galáxias, além da nossa via Láctea. Em um primeiro momento, essa informação pode causar espanto e até mesmo uma espécie de temor cósmico, mas à medida que se penetra nesse conhecimento, vai-se enchendo de uma certa alegria, atingindo um sentimento transcendental. É um tipo de sentimento que, penso, que é sentido pelas pessoas religiosas, algo que é quase impossível de comunicar ao outro, mas que preenche a alma da pessoa.
E você ainda se espanta?
Sim, e isso é uma revelação importante. Algumas pessoas dizem que eu sou ingênuo nesse aspecto. E, na verdade, por incrível que pareça, sim, eu ainda sinto isso. Aliás, me causa até certo problema. Uma vez, quando durante alguns anos, eu fiz psicanálise, eu comecei a questionar isso. Se tinha alguma coisa errada em mim, mas felizmente encontrei o Edson Lannes, que era um psicanalista maravilhoso. E que me fez ver que aquele encantamento, supostamente ingênuo, era parte de mim que eu não deveria de jeito nenhum, abandonar nem perder. E de uma certa maneira, foi isso que aconteceu. Algumas pessoas dizem que ainda sou ingênuo a acreditar em nossa pretensão de entender completamente o universo. Isso não me constrange, ao contrário, eu gostaria de ser visto desse jeito. Outras pessoas falam, de modo mais genérico, não só contra mim, mas contra vários cientistas que tem um modo de ver, digamos assim, filosófico. Chamam a essas pessoas, a esses cientistas, de metafísicos. Conversando com a filósofa Flávia Bruno, disse para ela que ser chamado de metafísico é, para mim, uma honra.
Para o contexto da revista, você poderia falar sobre a importância que você dá para a cosmologia se emancipar da física e buscar outros saberes. Por que você considera isso importante?
Veja, a física se construiu por observações feitas na Terra e na sua vizinhança e fez as suas leis. E essas leis foram, supostamente, por coerência do universo, extrapoladas para todo o universo. Nos últimos 20-30 anos, pareceu evidente para vários cientistas que essa extrapolação das leis físicas ao universo não poderia ser feita de uma maneira ingênua, como se fez ao longo dos últimos séculos. E a razão para isso se deve ao fato de que se descobriu que essas leis podem variar com a expansão do universo.
Isso, obviamente, foi uma descoberta totalmente inesperada e de uma certa forma também desagradável para os cientistas que acreditavam que as leis eram eternas, imutáveis e fixas. E uma vez que você chegasse a elas, estaria finalizado um dado tipo de conhecimento. Não devemos esquecer que, é claro, essas leis mudam com o desenvolvimento histórico da ciência, mas não é disso que se trata aqui.
Essa mudança histórica diz respeito ao homem. Por exemplo, quando Newton fez a sua teoria da gravitação há 300 anos e Einstein a transformou há 100 anos atrás, houve uma alteração na descrição das leis da física gravitacional. Essa mudança é natural, isso faz parte do conhecimento científico humano. Diz respeito a nós, humanos, não diz respeito às leis físicas.
O que se descobriu nos últimos anos, e é disso que estamos tratando, é uma propriedade mais séria: trata-se da dependência cósmica, ou seja, do fenômeno segundo o qual as leis físicas podem variar com o tempo cósmico. Isso não é nada fantasioso, pois há vários argumentos que mostram que essa variação verdadeiramente ocorre; várias teorias foram construídas procurando entender essa dependência da estrutura das leis físicas e sua evolução.
Isso só foi possível depois que se descobriu que o universo é um processo dinâmico. É um processo em expansão, porque se o universo, como no tempo de Newton e mesmo no tempo de Einstein, fosse entendido como uma estrutura estática, essa dependência cósmica não existiria. Quer dizer, na verdade, essa dependência temporal deve ser entendida como dependência espaço-temporal.
Essa dependência está intimamente ligada com a física da gravitação. Assim como a própria estrutura do universo tem a ver com a física da gravitação. Os físicos descobriram que existem 4 forças fundamentais no universo, duas são de natureza clássica, de longo alcance e que são conhecidas de longa data: forças eletromagnéticas e gravitacionais. E outras duas, forças microscópicas, de curto alcance e de natureza quântica: força nuclear fraca e força nuclear forte. A primeira é responsável pela desintegração da matéria, e a força forte é responsável por sua estabilidade.
“O universo é um processo dinâmico, que pode ter ciclos, porque o início dessa fase de evolução de nosso universo é o vazio. E o final desse universo dinâmico é também o vazio.”
Das características dessas quatro forças, segue que em um universo contendo bilhões de estruturas como galáxias etc., as forças nucleares não têm um papel importante a desempenhar na sua estrutura. Sobram, então, as outras duas forças de longo alcance: eletromagnética e gravitacional. Acontece que as forças eletromagnéticas têm um sinal, ou seja, elas podem ser atrativas ou repulsivas. Além do mais, nem tudo que existe sente essa força eletromagnética. Para sentir a força eletromagnética, um corpo deve possuir uma característica especial chamada carga elétrica. Muito bem, a gravitação, diferentemente, é universal, ou seja, tudo o que existe sente a interação gravitacional. E ademais, ela é só atrativa, por isso podemos afirmar que sempre que se estabelece uma nova teoria da gravitação, automaticamente se fundamenta uma nova cosmologia. E é exatamente o que aconteceu na virada do século 19 para o começo do século 20, quando Einstein fez uma alteração na teoria gravitacional, introduzindo o que ele chamou de teoria da relatividade geral (RG) – que é um nome errado, mas isso é outra história. Nessa teoria, ele estabelece um novo modo de descrição da gravitação, distinta completamente da teoria de Newton. Usando essa teoria (RG), o físico russo Alexander Friedmann mostrou, uma década depois, que o universo é um processo dinâmico, ou seja, o universo está submetido a um processo de expansão, significando que o volume total do espaço varia com o tempo.
Posteriormente, se descobriu, graças a observações nos anos 30, que esse volume aumenta com o passar do tempo. Isso significa, obviamente, que ele foi menor no passado. E cria-se, então o problema: quão pequeno foi esse universo no passado? E aí começou toda uma história, que nos últimos, digamos, 50 anos, eu tenho examinado e criticado porque se concluiu, erroneamente, que devido a essa expansão, o universo teria tido um começo há uns poucos bilhões de anos.
Alguns físicos começaram a divulgar isso. As mídias internacional e nacional passaram então para o público uma estranha certeza, a de que os cientistas haviam descoberto a “idade do universo!”.
Não é o caso de falar sobre isso aqui, mas se alguém perguntar, eu posso explicar porque aconteceu isso.
No entanto, outros cientistas, como eu e meus colaboradores no Brasil, e alguns cientistas russos, fomos totalmente antagônicos a essa visão de identificar a expansão do universo como a demonstração de que ele possuía um começo há alguns poucos bilhões de anos.
Em verdade, minha argumentação era simples e direta: naquele suposto começo, todas as quantidades físicas relevantes assumiriam um valor infinito.
Isso significa que não se poderia fazer física ali, ou seja, que o universo seria, então, irracional, no sentido de que o momento mais importante, (porque tudo que segue dependeria desse momento) não seria acessível à ciência. Por que não seria? Porque a física não pode trabalhar com essa quantidade matemática, chamada infinito. Nenhuma observação da física, nenhum instrumento da física pode detectar esse valor infinito. E a razão é óbvia: nós somos finitos, nossos instrumentos são finitos. Então, ao identificar o momento onde o universo estava extremamente condensado, como o começo do universo, ou seja, como se não houvesse nada anteriormente, gerando esse momento, criou-se a imagem de que o universo seria impossível de ser compreendido racionalmente ao longo de toda sua história.
Essa situação me parece inacreditável. Somente uma análise sociológica da ciência poderia explicar porque e como a grande maioria dos cientistas aderiram a essa visão. Há uma possível explicação técnica sobre isso, ligada à presença de um teorema que matemáticos ingleses como Penrose, Hawking, e outros tinham feito algum tempo atrás, argumentando que, na teoria da relatividade geral, ou seja, na teoria da gravitação moderna, estava inserida a inevitabilidade dessa singularidade. Mas como disse o meu amigo, que infelizmente já morreu, o cientista russo Vitaly Melnikov, esse teorema nada mais é do que um tigre de papel.
Veja, um teorema consiste de afirmações apriorísticas que são as hipóteses que sustentam o teorema. São essas hipóteses do teorema que permitem concluir as consequências do teorema. Então, a pergunta crucial era: as hipóteses do teorema de singularidade de Penrose-Hawking eram, são, satisfeitas no nosso universo? Essa que era a pergunta a ser feita.
No entanto, essa fundamental questão foi deixada de lado por muito tempo. Embora sua crítica tenha se iniciado no final dos anos 1970, só recentemente é que se começou sistematicamente a examinar a possibilidade de que aquele momento singular, na verdade, era um momento de passagem, ou seja, o universo não teria começado há uns poucos bilhões de anos. Teria havido um processo de colapso anterior, o volume total do universo teria atingido um valor mínimo, diferente de zero e, em seguida, iniciado a fase atual de expansão. Claro que uma tal descrição é muito mais complexa de ser apresentada para o grande público do que a simplista ideia explosiva, com singularidade inicial.
O curioso nessa história é que, nos últimos 40 anos, eu me dedico a explicar essa configuração do universo, incansavelmente, não só através de livros de divulgação (inclusive foi por isso que eu comecei a escrever esses livros), mas também a dar entrevistas para jornais como o Jornal do Brasil, o Estado de São Paulo, O Norte, Folha de São Paulo e outros. Mas a consequência maior dessas entrevistas – a demonstração de que aquele suposto “início do universo” nada mais é do que um momento de passagem – parece não ter atingido um público maior do que o técnico.
Foi necessário – veja você como são as coisas – foi necessário que um jornalista americano descobrisse que lá nos anos 70, físicos brasileiros e físicos russos fizeram, independentemente, descobertas, mostrando que era possível compatibilizar todas as leis da física com a ideia de que o universo teria tido um colapso anterior a essa fase de expansão. Ou seja, o universo teria tido um colapso, seu volume diminuía com o passar do tempo, atingindo um valor mínimo – que não é zero – e entraria, a seguir, na sua atual fase de expansão. Ou seja, a ideia do começo singular foi transferida para dois outros novos problemas: o que colapsou e por que parou de colapsar? Mas isso é exatamente o que a física faz, ela resolve problemas e começa a gerar novos problemas, e essas duas questões foram respondidas. Em verdade, apresentou-se várias respostas possíveis nos últimos 30 ou 40 anos. Então, a ideia crucial que se deve reter de tudo isso é que o universo é um processo dinâmico, que pode ter ciclos, porque o início dessa fase de evolução de nosso universo é o vazio. E o final desse universo dinâmico é também o vazio. Consequentemente a isso, leva a ideia de que, como sugeria Richard Tolman lá nos anos 30, embora ele não tenha desenvolvido isso – de que o universo pode ter ciclos.
E como os físicos estão mostrando que, nesse nosso universo, as leis físicas variam com o tempo cósmico, é possível imaginar que também nas outras fases do universo, haveria outras formas de dependência das leis físicas. Você me perguntaria: mas temos acesso a esses outros universos? Por que haveria algum interesse em examinar hipóteses sobre esses universos? A resposta é simples: porque isso se relaciona com algo que um cientista deve realmente considerar como prioridade, a curiosidade. Curiosidade de saber como o universo realmente se estruturou e se desenvolveu.
Na verdade, a espécie humana tem um tempo de existência extremamente pequeno, insignificante mesmo, se comparado ao tempo de existência do universo. Muito mais ainda se adotarmos essas ideias de que o universo é um processo não-singular. Mas, a simples ideia de imaginar, de poder saber, de usar nossas teorias científicas para compreender isso, torna essa situação maravilhosa, porque a mente humana pode entender a complexa estrutura do universo. Lembremos que conhecer a totalidade do universo era entendida como uma função de Deus. Pois nós estamos retirando essa sua tarefa, mais simplesmente eu diria que estamos seguindo os caminhos de evolução do cosmos.
Outro dia, eu estava falando com um engenheiro. Ele me disse: “mas isso que vocês estão descobrindo, essa dependência cósmica das leis, não vai influenciar em nada a minha engenharia?…” Eu disse, certamente não, pois a tecnologia se baseia na física terrestre. Então, na verdade, você não precisa se preocupar com a variação das leis físicas. As leis físicas terrestres são boas e, certamente, vão ser aprimoradas mais e mais. Não se trata de alterar as leis físicas na Terra, se trata de algo um pouco mais, eu diria, sublime, que é investigar o universo que a gente vive. Então, você está vendo que isso volta àquela ideia aparentemente extremamente ambiciosa de que nós podemos entender o universo.
Dentre autores brasileiros que o jornalista americano citou, um deles é você, Mário, que criou um modelo alternativo ao Big Bang, chamado de Universo Eterno, em uma linguagem mais comum e Bouncing Model, em uma linguagem mais técnica. Como é que emergiu essa ideia?
Deixa eu começar pelo final antes disso, porque na verdade, hoje em dia, se você lê alguns jornais, principalmente jornais de São Paulo, você vê que existem dois tipos de approach: um que esquece essas modificações e imagina que o universo teve realmente um Big Bang – essa visão foi dominante entre os físicos, e agora começa a se esfumaçar; o outro, como aquele que Novello e Salim, Melnikov e Orlov instituíram em 1979 e que, recentemente, matemáticos e físicos ingleses, como Penrose, e outros acompanharam esses cientistas descrevendo também um universo sem singularidade, com “bouncing”, eterno e possivelmente com ciclos. O curioso é que, na Inglaterra, os jornalistas ingleses falam dos ingleses; nos Estados Unidos, os jornalistas americanos falam dos americanos; e no Brasil, os jornalistas brasileiros falam dos… ingleses. Isso é interessante…
Talvez devo acrescentar que, desde os anos 1970, aconteceu essa batalha entre os bigbanguistas e os que consideravam o universo racional sem singularidade ao longo de toda sua existência.
Era uma batalha desproporcional, pois a maioria dos físicos adotava o cenário singular. A imprensa, naturalmente, seguia o Mainstream. A ideia de um universo sem singularidade, a ideia de um universo eterno sempre foi tratada pela imprensa, pelos meios de comunicação e até mesmo pelos jornais, digamos assim, de divulgação científica, como uma ideia esdrúxula. Hoje em dia, não mais, porque hoje em dia não só esses físicos, brasileiros e russos, que mostraram a possibilidade de universos cíclicos, mas ingleses, americanos e europeus em geral também o fizeram e fazem.
A ideia principal, tanto do nosso grupo, Novello e Salim, quanto dos russos, Melnikov e Orlov, cientistas da União Soviética naquela época, tinha caminhos diferentes, mas o mesmo princípio. E qual era? Aceitar que o universo possa ser descrito pela razão. O curioso é que não se explicitava que admitir a singularidade como o Big Bang, seria aceitar a irracionalidade do universo.
Além, obviamente dos artigos técnicos, eu li esses livros de divulgação Big Bang etc. e não encontrei em nenhum deles a análise de que a aceitação de que o universo fosse singular seria a demonstração de que outro tipo de conhecimento, não científico, deveria explicar o universo.
O approach dos russos, na verdade, era através de uma estrutura chamada por um termo técnico, campo escalar e o approach dos brasileiros, Novello e Salim, era através de uma coisa bem mais conhecida, o eletromagnetismo. Então, o que eles mostraram, tanto um grupo quanto o outro, é que a possibilidade de um universo não ter uma singularidade, é perfeitamente possível dentro dos cânones da física tradicional. Não há absolutamente nenhuma novidade extraordinária. Não se muda a teoria da relatividade geral, não se muda nenhuma teoria quântica, ao contrário, usa-se em seu esplendor, eu diria tanto a relatividade geral quanto a teoria quântica. A teoria quântica, por exemplo, permite entender aquela história que comentei sobre o vazio, porque aquele vazio, não era o vazio clássico, era um vazio quântico, que é uma estrutura um pouco mais complicada, mais sutil e que podemos tratar em outra ocasião ou, os interessados podem consultar meus livros de divulgação e/ou meus artigos técnicos. Em suma, descobriu-se que esse vazio quântico é instável.
O que significa que o universo não podia não existir. Isso responde a uma pergunta que os filósofos desde sempre fizeram, como recentemente Heidegger fez: por que existe alguma coisa e não nada? Na verdade, o que os físicos mostraram, eu diria, os cosmólogos mostraram, é que o nada é instável. Ou seja, não pode continuar nesse estado de vazio. Não pode existir somente o nada, se é que se pode usar esse termo. Ou seja, o universo estaria, diria Sartre, condenado a existir, porque o vazio é instável.
Só esse resultado enche o meu coração de alegria, porque mostra que, em verdade, nós vivemos em uma estrutura racional, o universo pode ser entendido por nós, pela nossa razão. Do que vimos, então, podemos inferir que, como disse ainda há pouco, a relação entre o cientista e o filósofo é bastante intima, isto é, estamos engajados no mesmo processo, com métodos e propostas distintas, mas no mesmo processo de investigação racional daquilo que existe.
Claro que ainda está cedo para a gente apreender com mais precisão os resultados do James Webb, mas você acha que o que já foi mostrado já vai ajudar um pouco na desconstrução do Big Bang, no mainstream?
Veja, isso depende muito da reação da comunidade científica, daquelas pessoas que estavam já há muito tempo lutando em outra direção. Isso não vai ter nenhuma influência factual a curto prazo. Embora, obviamente, pode ser importante do ponto de vista de trazer para, nossa área, nossa proposta do processo evolutivo do universo, muitos cientistas que ainda são “BigBanguistas”, sem a menor dúvida. Isso vai ser importante, mas eu ainda gostaria de ver essas pessoas vindo para nossa análise por outro caminho, um caminho da razão e, simplesmente, utilizando os atuais conhecimentos que temos das leis físicas. Note que esse conhecimento, essas leis físicas não são recentes, são verdades estabelecidas há muito tempo. Entende? Há mais de 100 anos.
E a consequente aplicação dessas leis ao universo, levando em conta sua dependência temporal. E o ponto crucial, que talvez tenha sido mais importante do que o James Webb, talvez seja o Hubble, ao descobrir que vivemos em um universo que é um processo dinâmico. Ao aceitar que o universo é um processo dinâmico, se abriu uma caixa de Pandora, e que em verdade permitiu e permite análises que eram absolutamente impossíveis de serem imaginadas se o universo fosse uma estrutura estática. Então, as observações atuais estão dentro da linhagem natural de desenvolvimento que o Hubble permitiu.
E os seus textos sobre o fato do universo solidário? Inclusive, a gente organizou um evento bem bonito no CBPF, em função da Revista Cosmos e Contexto, um evento bem interdisciplinar sobre a questão da solidariedade. Então, o que que você poderia falar para um público mais amplo acerca do fato de o universo ser solidário?
Vejam, o ponto crucial é a relação entre local e global. Na verdade, conhecemos as leis físicas localmente e as extrapolamos para todo o universo. Sustentamos essa extensão por coerência. Pensamos que essas leis devem ser extrapoladas por coerência.
No entanto, algumas situações descritas na Relatividade Geral geram dificuldades insuportáveis. Uma delas é aquela que diz respeito ao que temos comentado referente à questão causal. Com efeito, o matemático Kurt Gödel que demonstrou que existem situações – fora de nossa vizinhança terrestre – onde poderiam existir caminhos que levam ao passado.
Isso, obviamente, é uma situação extremamente desagradável, porque nós não vemos no nosso imediato de jeito algum, um caminho que leve ao passado. Temos a certeza – gerada por nossa experiência pessoal – de que caminhamos sempre para o futuro. No entanto, Gödel mostrou que, no universo, pode haver caminhos que levam ao passado.
“Você pode imaginar que esse universo possa ser consequência, herança, de outros universos que tiveram configurações altamente instáveis e, consequentemente, por isso, desapareceram.”
Isso leva à questão crucial, de uma certa maneira até ingênua, de saber se ao voltar ao passado, eu poderia influenciar a mim mesmo (naquele passado) e eventualmente, até mesmo algumas pessoas ligadas a mim, como, por exemplo, meus pais. Eu poderia, por exemplo, matar meu avô e inviabilizar o nascimento dos meus pais. Assim, então quem é que teria voltado ao passado? Essa é uma questão de natureza semântica, eu diria. É possível mostrar, de uma maneira simplista, e o termo correto é exatamente esse que você usou – solidariedade – que as relações locais e globais são solidárias, ou seja, não é possível alterar o processo localmente em uma estrutura global no qual esse processo local tem uma outra configuração. Isso é impossível. Isso se deve exatamente ao fato de que local e global formam parte de uma estrutura única. Então, eu não posso alterar o meu passado numa curva do tipo tempo fechado, ou seja, uma curva em que eu possa voltar ao passado, não permite a liberdade total e absoluta de realizar localmente ações que possuam independência completa do que acontece globalmente. Ou seja, é essa relação local-global – de uma maneira um pouco mais formal – é o que eu chamei de solidariedade.
De outro modo, você pode imaginar coerência entre configurações materiais. Por exemplo, sabemos que existem, além das estrelas, como o nosso Sol, existem aglomerados de estrelas, galáxias, existem aglomerados de aglomerados de estrelas e configurações mais complexas, configurações extraordinariamente grandiosas.
Essas configurações, por coerência, precisam ser solidárias. Em que sentido elas teriam que ser solidárias? Porque instabilidades nesses processos criariam – temos diversos exemplos teóricos disso – criariam instabilidades que fariam com que esse universo deixasse de existir. Como se ele entrasse num turbilhão e, nesse turbilhão, se aniquilaria. O que impede isso? Isso é impedido pelo fato de que há uma coerência global impedindo que essas catastróficas instabilidades ocorram. Ou seja, estamos em presença de solidariedade cósmica.
Aí você me pergunta: mas isso é curioso, o universo sabe disso? Na verdade, você pode imaginar que esse universo possa ser consequência, herança, de outros universos – que tiveram configurações altamente instáveis e, consequentemente, por isso, desapareceram. Não deixaram estruturas serem formadas, pois é preciso que haja uma certa estabilidade para formar estruturas como estrelas, gerando galáxias, e essas configurações mais complexas que estamos comentando. Ou seja, é preciso estabilidade para que haja planetas em torno dessas estrelas, e é preciso que haja estabilidade por um tempo grande para que possa existir vida. Então, o processo de vida só é consequência dessa ausência da instabilidade enorme que poderia acontecer se não houvesse solidariedade.
Concordo que pode haver uma certa estranheza ao lidar com esse termo, pois solidariedade é um conceito jurídico, não é um conceito que a física usa. O sentido deste conceito como estamos usando na cosmologia, herda algumas propriedades deste conceito jurídico. Significa que as partes se compreendem, que as partes estão relacionadas; nada é isolado. Como um poeta disse, “homem algum é uma ilha”. Em verdade, é mais do que isso: não existem ilhas no universo. Ou melhor, as ilhas se conectam. Em verdade, o universo é um processo único e como tal, para existir por um tempo longo, ele deve ser solidário.
Você vem trabalhando profundamente, nas últimas décadas, na divulgação científica, publicando livros para não físicos – a própria existência da Revista Cosmos e Contexto, e os eventos interdisciplinares que advém dela. Inclusive, ano que vem, você teve a ideia de organizar um evento interdisciplinar para discutir com filósofos e outros, junto com os físicos, a questão da dependência das leis da física. Poderia comentar, de uma forma geral, o seu trabalho também como divulgador científico?
Antes de tudo, deixa eu dizer que, na verdade, uma atividade humana nunca é individual, ela é coletiva. Nós, da Revista Cosmos e Contexto, estamos organizando esse Evento que chamamos “Modos de Observar o Universo”, que pretende explicitar e comparar diferentes representações do universo. Em verdade, eu fui levado a isso, como explico um pouco no livro que Glaucia e Nelson organizaram – “O encantamento do cosmos” – no seguinte sentido: lá nos anos 80, começo dos anos 80, o Jornal do Brasil, sabe-se lá porque, me entrevistou sobre meu modelo de universo eterno. Aliás, o título da reportagem do belo artigo de Gardenia (O universo é eterno) me agradou muito, pois pela primeira vez (e única) uma reportagem honesta sobre a atividade original de um cientista brasileiro teve destaque em um importante jornal brasileiro.
A partir dessa reportagem, descobri e comecei a perceber a importância que é divulgar uma visão totalmente diferente da que o establishment apresentava como verdade na imprensa. Comecei, então, a aceitar dar entrevistas, a fazer seminários, palestras, para pessoas que não eram físicos, inclusive para professores de física do secundário, o que foi importante.
Aliás, eu tive vários problemas porque os professores de física da plateia, professores de cursos secundários, “acreditavam saber” que o universo começou com o Big Bang, e era difícil convencê-los que não era assim. Ademais, eles repassavam essa (falsa) informação para seus alunos. Ou seja, eu estava pondo em xeque a verdade que eles falavam para os seus alunos. Isso foi complicado. Em verdade, depois disso, comecei a escrever para esses próprios jornais, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e outros. Um dia um antropólogo, Walter Curvelo, me sugeriu escrever um livro. Ele veio à minha sala no CBPF e disse que havia assistido uma palestra minha de divulgação científica e perguntou: por que você não escreve um livro sobre isso? Achei que era o bom momento para colocar essas minhas ideias em um texto para o público em geral. Escrevi então Cosmos e Contexto.
Comecei a sentir a dificuldade que é você ter ideias originais em um país que não estava no centro da divulgação cientifica àquela época. Eu não consegui editora no Brasil… fui a 4 ou 5 editoras e aí acabei por várias razões, publicando na França. Alguns anos depois, a versão para o português foi adquirida por uma editora brasileira, curiosamente, uma daquelas editoras à qual eu tinha ido e que não se havia interessado em publicar! E essa editora brasileira pagou à editora francesa pela versão em português do livro que eu tinha escrito! Só que a versão em português era exatamente aquela que eu tinha dado para a editora brasileira alguns anos antes (e cuja publicação havia sido rejeitada!).
Essa divulgação, contrária às ideias convencionais aceitas pela maioria, diferentes das ideias do mainstream são sempre consideradas especulativas. Em verdade, algumas delas realmente são. Eu não diria que todas as ideias que são contra o mainstream são ideias boas, muitas delas são efetivamente estranhas. Mas por isso é que você precisa examinar não só a ideia ela mesma, como também os argumentos sobre os quais se baseiam essas ideias. Qual é o instrumento que faz com que uma nova ideia contra o mainstream possa ser considerada verdadeira? Para responder essa questão, escrevi vários livros, e de uma certa maneira, culminou com a revista Cosmos e Contexto, que comecei com vários alunos meus há uns 10 anos atrás sobre questões cosmológicas e, que nos últimos tempos, graças a Flávia Bruno e Nelson Job, abriu-se para outras áreas de interesse. Eu penso que ela está fazendo um belo trabalho, não só de divulgação da ciência, mas de divulgação de conhecimentos de outras áreas, até mesmo de literatura.
Neste contexto, como cosmólogo brasileiro, que teve forte atuação em instituições na Europa e com parceiros de outros países das Américas, como vê a questão da decolonialidade?
Veja, não tem a menor dúvida que minha atividade como cientista foi muito mais reconhecida no Estados Unidos e na Europa do que no Brasil. Isso é curioso. É bem verdade não havia uma área específica da cosmologia nas universidades brasileiras e nos institutos de pesquisa. E nós começamos isso no final dos anos 70, a organizar um grupo de pesquisas em cosmologia no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Mas, para além da minha atividade pessoal, eu reconheço que para várias outras pessoas, para o establishment das sociedades científicas, existe ainda uma certa desconfiança com pensamentos novos feitos aqui. Isso é extremamente estranho e desagradável, e em particular para os jovens que, obviamente, passam a ter medo de mostrar ideias que sejam originais e distintas das aceitas. Os jovens estão querendo seu lugar, seu espaço para desenvolver suas pesquisas e, para isso, precisam de bolsas de pesquisa, que são organizadas… pelo establishment! E não só através de bolsas, como através de concursos que possam fazê-los ter um futuro em algum instituto de pesquisa ou universidade.
Felizmente, aos poucos, embora muito lentamente, vamos começando a sair desse marasmo. Mas isso ainda vai durar algum tempo. A decolonização deve vir primeiro na atividade política. Não é à toa que o presidente Lula tem falado abertamente na importância de inserir o Brasil de novo no cenário mundial, que foi praticamente posto como uma nação de segunda categoria ou de terceira, no governo passado. Mas essa atividade política, ela deve ser acompanhada de uma atividade dos próprios cientistas e da comunidade do pensamento. E isso é uma coisa um pouco mais complexa, envolvendo situações que não dizem respeito somente à política, mas diz respeito também às atividades associadas às carreiras científicas.
Existe alguma coisa que você sempre quis falar ao longo da sua trajetória na divulgação de ciência?
Sim, existem temas que eu nunca comentei para o grande público, mas gostaria de ter falado, e que eu falei inclusive nessa entrevista, que é a ideia de um universo cíclico. Porque a ideia de universo cíclico cria dificuldades muito grandes para o pensamento convencional. E, obviamente, isso leva a imaginar, erroneamente, que a atividade do cosmólogo é uma atividade de devaneio metafísico.
Então, no momento em que a cosmologia precisava se impor como parte ativa da atividade científica, eu nunca falei isso. E isso aconteceu há mais de 40 anos atrás. E a razão foi uma escolha para poder permitir a formação de um grupo de cientistas trabalhando em cosmologia no Brasil. Hoje já existe. Hoje já existem vários grupos de pesquisa em Cosmologia. Os meus antigos alunos, orientaram teses de Doutorado e seus alunos outros seguem igualmente esse caminho.
Noutro dia, me informaram que estão elaborando uma árvore genealógica associada a meus orientandos desses 40 anos que trabalhei no CBPF. Dessa conversa, fiquei impressionado com a quantidade de meus “netos científicos”, digamos assim.
Isso vai se ramificando, como se fosse uma verdadeira estrutura familiar! Tem pessoas que eu não tive contato, mas que estão associadas a mim por orientadores que foram orientados por mim. Nesse aspecto, eu diria que eu também tenho uma origem lá no Einstein, porque o meu orientador, o professor Colber foi aluno de Peter Bergman, que foi aluno do Einstein. Então, na verdade, tudo se conecta de um certo modo.
Reconheço que há várias outras questões que eu decidi não falar, não comentar e continuo sem comentá-las. Em especial, elas envolvem certas propriedades que decorrem da união entre o mundo quântico e a gravitação e que induzem uma visão do mundo, do que chamamos realidade, bastante distinta da que estamos acostumados. Mas, nesse aspecto, creio que devemos seguir a orientação de só expor propostas científicas para o grande público depois que essas propriedades tenham sido comprovadas, pelo menos formalmente, no interior de uma teoria aceita.
LIVROS DO AUTOR
O UNIVERSO INACABADO: A NOVA FACE DA CIÊNCIA
Para além da análise da origem do universo, a cosmologia, ao promover a refundação da física e a destruição do que pareciam ser sólidos paradigmas da ciência, produz mudanças radicais na descrição do real que inevitavelmente se espalham por todo o pensamento contemporâneo. O livro retoma essa questão cujas consequências não foram ainda completamente assimiladas e compreendidas na epistemologia e igualmente em dimensões filosóficas mais amplas.
QUANTUM E COSMOS: INTRODUÇÃO À METACOSMOLOGIA
Usar a razão e o método científico para perscrutar o Universo deveria ser um momento grandioso do pensamento. Mas, ao longo do século XX, a cosmologia deixou em seu lugar equações que não fazem sentido para o público amplo e que não permitem produzir modos de pensar amplos, capazes de despertar o espírito e produzir reflexão sobre o mundo. Contrariamente a essa visão negativa do filósofo, veremos que a cosmologia está gerando um movimento de ideias que vão na direção oposta, permitindo um despertar do espírito.
OS CIENTISTAS DA MINHA FORMAÇÃO
Ao longo dos anos de 1950 e 1960 brilhantes cientistas como Cesar Lattes, Leite Lopes, Jayme Tiomno, Mario Schenberg e outros, produziram um ambiente de trabalho de altíssimo nível no Centro Brasileiro de pesquisas Físicas. Foi nesse cenário estimulante que uma nova geração encontrou condições ideais para se desenvolver. Esse livro remete àquela época, através do olhar de um desses cientistas ali formados.
DO BIG BANG AO UNIVERSO ETERNO
No final do século XX, os cientistas produziram uma descrição na qual a história do Universo tem original a partir de uma grande explosão. Esse modelo conhecido como big bang parecia incontestável, assumiu o papel de verdade científica. O premiado cosmólogo Mário Novello demonstra agora que os cientistas produziram uma teoria da criação equivalente a diversos mitos religiosos. E analisa as condições que tornaram possível o surgimento de outros cenários e teorias, entre eles o do Universo eterno dinâmico.