Para uma edição que propõe inventar futuros, a Biologia não é apenas determinante, mas também inspiradora.
O estudo dos seres vivos desempenha um papel fundamental em diversas áreas cruciais para a humanidade. A compreensão e manipulação do DNA têm o potencial de revolucionar a medicina, possibilitando terapias genéticas para muitas doenças. O estudo dos ecossistemas e da biodiversidade é essencial para a conservação dos recursos naturais e para mitigar os impactos das mudanças climáticas, assim como a Biologia também é central para o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, como biocombustíveis e bioplásticos.
Mas há outra perspectiva sobre Biologia e futuro tão instigante quanto: conhecer a vida por si só, sem uma visão necessariamente utilitarista. Conhecer as histórias da ciência que, como a ficção, são aventura pura. Histórias que têm a diversidade como protagonista e nas quais as forças evolutivas dirigem os acontecimentos em que a vida flui e se mantém.
O pescoço comprido das girafas é uma dessas histórias fantásticas.
No mundo das girafas – e de todas as espécies –, há uma variação genética intraespecífica. Esta variabilidade dentro de cada espécie é uma das peças-chave no que diz respeito ao futuro das espécies. Ela não apenas impulsiona a adaptação e sobrevivência das populações frente a mudanças ambientais, mas também alimenta a evolução ao oferecer uma diversidade de características genéticas que podem conferir vantagens em novos cenários.
Inicialmente, girafas ancestrais tinham pescoços mais curtos, adequados para alcançar alimentos em árvores de porte baixo. No entanto, em algum ponto da história evolutiva, uma mutação genética ocorreu em um indivíduo, resultando em um pescoço ligeiramente mais longo do que a média. É possível que mutações aleatórias tenham ocorrido ao longo do tempo, resultando em variação no comprimento do pescoço entre indivíduos. A mutação é a força evolutiva fonte primária de variabilidade genética que permite a existência de diferentes características fenotípicas nas girafas e pode ser considerada como um acaso aleatório.
No entanto, em um ambiente onde a competição por alimento se tornou intensa, essa característica conferiu uma vantagem seletiva, permitindo que esse indivíduo alcançasse alimentos em árvores mais altas com mais facilidade. Estamos falando de outra força evolutiva, a seleção natural. Ou seja, as girafas com pescoços mais longos tiveram uma maior probabilidade de sobreviver e reproduzir, transmitindo essa característica às gerações futuras.
Resumindo: uma mutação resultou em um pescoço ligeiramente mais longo e forneceu uma vantagem adaptativa, característica selecionada ao longo do tempo pela seleção natural.
Muito legal, não? Mas não para por aí. O estudo da evolução das girafas ganhou um novo capítulo com um artigo publicado na Revista Science, em 2022, em que a descoberta de um fóssil ancestral revelou uma outra explicação surpreendente para o pescoço longo das girafas: um comportamento de combate extremo de cabeçadas, tática usada para defender sua posição e domínio sobre as fêmeas. Quanto mais longo o pescoço, mais forte a cabeçada! REVIRAVOLTA! (risos). E logo sobre sexo e sobrevivência.
Gente, é ou não é uma aventura a vida? E a ciência é um capítulo à parte, tem sempre uma novidade, uma nova complexidade, uma nova conexão. Assim sabemos que as antecessoras das girafas de hoje embarcaram em uma “corrida” evolutiva para conseguir um pescoço comprido e reforçado, mostrando mais uma vez que a competição sexual é um dos motores da evolução.
São notícias de um ano atrás, são notícias de trinta anos, quarenta anos. São fósseis, neste caso, de 17 milhões de anos atrás. O ponto são as relações que fazemos com o conhecimento. O que essas histórias têm a ver com a gente, tem a ver com nosso futuro aqui neste planeta?
Em um mundo em constante transformação, a variabilidade genética é uma reserva genética que permite às espécies responderem de forma eficaz às mudanças imprevistas. Proteger e promover a diversidade genética é investir na resiliência das espécies em um futuro incerto. Em suma, a variabilidade é uma das chaves para a adaptação e sobrevivência das espécies, tanto na biologia quanto na sociedade humana. Abraçar e celebrar essa diversidade é fundamental para o nosso próprio futuro na Terra.