– Ô Layla, sai de perto desse açude, que tu não sabe nadar! – gritava a senhora que lavava roupas à beira do açude, em cima das pedras.
A menina olhava pra ela como quem dissesse “eu não vou cair coisa nenhuma” e continuava brincando, colocando pés e mãos na beira, molhando os cabelos crespos e a pele escura. Era de costume do povoado as mulheres se reunirem para lavar roupa na beira do açude e conversar sobre os diversos causos que se passavam na redondeza e dentro de casa. Enquanto elas conversavam, as crianças que já sabiam nadar brincavam na água.
Layla era apenas um bebê quando foi deixada misteriosamente na porta da senhora Aquino. Devido ao lugar ser pequeno, nem cidade era, todos se conheciam e ninguém viu nenhuma grávida por lá naqueles tempos. Layla foi deixada em uma noite típica do famoso ditado “chove, não molha”; o sertão estava frio, do jeito que o dia nunca é. No céu, muitos relâmpagos silenciosos.
Aquela manhã, pós-tempestade de raios, foi cheia de bafafá sobre a criança que apareceu, algumas pessoas supersticiosas começaram a dizer que a criança foi deixada por uma bruxa pelas circunstâncias do tempo, mas o casal avisou para todos que fariam uma festa no terreiro para as boas-vindas e nomeação. Quando o sol baixou, as pessoas começaram a chegar, eles prepararam galinha cozida e pão de milho (cuscuz) para a festa.
– Fazia tempo que eu e minha véa queria ter uma cria. Ontem recebemos um presente que tanto nós pedia pro céu dá. – ele fez uma pausa – Nossa menina Layla. – Disseram os dois juntos.
No mesmo instante, uma ventania se espalhou pela festa, fazendo com que as mulheres segurassem suas saias, vestidos, e os homens, seus chapéus.
– Essa menina já está sendo abençoada pelo céu, as águas e a mata. – falou Lurdinha, uma das vizinhas do casal, tida como uma das mulheres mais sabidas de lá.
– Pelo jeito, até o vento quer jogar sua benção também. – falou a sra. Aquino, que tentava segurar seus cachos já envelhecidos, quase brancos.
Layla cresceu rodeada de pessoas com costumes e crenças próprias do lugar onde morava e ouvia as histórias que o pai contava atentamente antes de dormir olhando pra mata ao redor do terreiro. Ao amanhecer, passava horas e horas brincando nos arredores da propriedade, mas sem adentrar na mata fechada, onde imaginava que as histórias do seu pai ganhavam vida. Layla sentia uma enorme vontade de olhar aquelas árvores finas de perto e sentir as restas do sol em sua pele enquanto corria solta.
– Eu quero ir lá. – falou um dia, quando a mãe varria o terreiro.
– O que é, menina? – falou a mãe um pouco irritada, – teu pai já disse que tu num vai entrar ali.
– Eu vou sim. – Layla soltou suas pequenas panelas de barro e correu em direção à mata.
A mãe ainda abriu a boca pra gritar, mas apenas disse: – Ô menina danada! – em tom de desaprovação.
A menina correu até não ver mais a mãe e a casa; só parou quando sentiu um forte esbarrão em alguma coisa macia, olhou para cima e viu primeiramente uma coisa, pois não sabia definir o que era aquilo, depois se afastou e olhou melhor. Tinha esbarrado em uma pessoa que parecia flutuar. Suas vestes compridas eram macias e leves, sua pele escura brilhava no sol.
– O que é você? – perguntou a menina com os olhos arregalados e curiosos.
A entidade não respondeu, mas ficou olhando para a menina com os olhos brilhando de encanto.
– Como você é pequenininha. Que nome te deram?
– Minha mãe me chama de Layla, e você, qual nome te deram? – disse a menina imitando a fala do ser.
– Se eu disser quem eu sou, você nunca mais vai poder me encontrar.
– Eu não tenho medo de você não, meu pai disse que aqui na mata mora o povo que protege nós. É você que protege eu?
– Desde quando você nasceu.
Layla ficou admirando aquele ser e começou a enchê-la de perguntas sem sentir o tempo passar.