Divulgar ciência sim e sempre
A Divulgação Científica (DC) tem como missão tornar o conhecimento científico, produzido dentro dos muros das Universidades e Institutos de Pesquisa, e também os saberes tradicionais dos povos ancestrais, acessível ao público em geral, que chamamos público não especializado, traduzindo o temido vocabulário dos cientistas e seus jargões para uma linguagem acessível à sociedade, ou seja, popularizar as descobertas que são essenciais a todos nós. Divulgar ciência, popularizar, partilhar e trocar conhecimento com a sociedade é essencial para a construção de indivíduos capazes de tomar decisões adequadas para sua vida e da sua comunidade.
No Brasil, apesar da difusão recente da DC devido à pandemia da COVID-19, que revelou inúmeros cientistas nas mais diferentes mídias e também as fragilidades da comunicação entre universidade e sociedade, a prática de divulgação científica ocorre há pelo menos dois séculos. A constante circulação de informações sobre os efeitos das mudanças climáticas e a descoberta do Sars-Cov-2, o novo coronavírus, e a produção de novas vacinas, deu, e tem dado, destaque para a DC. Com isso, seu uso se tornou ainda mais necessário considerando o contexto político e social atual do Brasil e do mundo, no que se refere à ascensão do negacionismo científico, implicando a DC como ferramenta primordial para uma sociedade informada lutar pelo seu direito à saúde e condições de vida de qualidade, atenuando as disparidades.
Candotti (2001) destaca que a divulgação científica desempenha um papel fundamental no aspecto social, impedindo manipulações do conhecimento em favor do poder e preservando a democracia. Diante desse cenário desafiador, a atuação dos educadores mostra-se essencial na promoção da divulgação científica, especialmente no ambiente educacional, e principalmente no Ensino Básico, visto que as crianças e jovens são atores-chave para disseminação de informações na sua comunidade.
Fazer ciência e divulgar ciência não é um trabalho, é uma missão em busca de uma vida melhor, uma sociedade mais humana e igualitária. E seguimos nesta missão, que nos traz aprendizado constante e contentamento, e àqueles que podemos auxiliar, dar acolhimento e garantir direitos.
A pandemia da COVID-19, além de intensificar os desafios na compreensão científica, evidenciou a necessidade de disseminar informações confiáveis, destacando o papel dos professores na construção de um entendimento sólido sobre a ciência, em suas mais diferentes áreas. E, para isso, estes têm buscado cada vez mais formação adequada para utilização de estratégias de ensino ativo e abordagens investigativas para aplicação em sala de aula, de maneira a promover a formação de sujeitos críticos no ambiente escolar.
A luta contra a desinformação
Estudos indicam que, em meio à proliferação de desinformação, a capacidade de interpretar dados, compreender a metodologia científica e discernir informações confiáveis torna-se uma habilidade essencial para os estudantes e para a sociedade como um todo. Em uma era em que as mídias sociais desempenham um papel central na disseminação de informações, é necessário que os educadores explorem estrategicamente essas plataformas como ferramentas de comunicação e difusão do conhecimento científico. Diversos artigos científicos corroboram a importância de atingir um público mais amplo, inclusive fora do ambiente escolar, como uma oportunidade valiosa que as redes sociais oferecem na promoção da conscientização científica.
Letramento científico
A inserção de práticas de leitura produtiva e a adoção de novas metodologias em sala de aula tornam-se necessárias para estimular o interesse dos alunos por assuntos contemporâneos. A Ciência faz parte de todo o nosso cotidiano desde o seu desenvolvimento, sendo impossível se desvencilhar o conhecimento científico dos avanços tecnológicos, e da nossa sobrevivência como seres dominantes no planeta Terra. “Viva sem ciência se puder! Impossível, ela está em tudo, reafirmamos escrevendo este artigo que seria impossível sem a ciência, assim como a sua leitura aí do outro lado!” Nesse sentido, é crucial reconhecer que ciência e tecnologia estão entranhadas em nossa cultura, influenciando continuamente mudanças significativas na sociedade e ressignificando ativamente o modo de viver de cada um, seja na saúde, no pensamento, no movimento e nas interações. Letramento científico, ou alfabetização científica, faz-se essencial à sobrevivência humana com humanidade, e um desafio em meio à minoria de desinformadores que, financiados, têm causado danos profundos ao desenvolvimento humano. Várias são as ferramentas tecnológicas que permitem a nós, professores, chegarmos aos mais diversos públicos. Não apenas as redes sociais podem ser usadas para a DC, mas também as mídias tradicionais, podcasts, blogs, TV, livros e o corpo a corpo naqueles locais onde ainda a tecnologia não alcança. A Ciência tem que ir aonde o povo está, e não só chegar lá, deve ser inclusiva em toda a sua potencialidade – lembrando sempre de ser acessível economicamente ao público-alvo.
Ciência e cidadania
O conhecimento científico, antes restrito às elites, está se popularizando progressivamente para proporcionar melhor qualidade de vida, capacidade de reflexão sobre os impactos dos diferentes conhecimentos e saberes, no cotidiano e o direito de nos tornarmos elemento social ativo para alcançar o pleno exercício da cidadania.
A DC é um instrumento reflexivo sobre as relações entre ciência, tecnologia e sociedade (CTS), democratizando os saberes e valores da C&T, promovendo uma alfabetização científica/tecnológica com um viés crítico e fomentando a inserção política dos cidadãos nas tomadas de decisão. Nesse contexto, a divulgação científica adquire uma importância ímpar na construção de uma sociedade democrática que coloca a ciência e a tecnologia a seu favor.
O papel da divulgação científica transforma-se ao longo do tempo, em sintonia com o avanço da ciência e tecnologia que também não é fixa e imutável, podendo ser direcionado para diversos propósitos. Estes incluem objetivos educacionais, visando expandir o conhecimento científico; objetivos cívicos, para promover uma opinião pública informada sobre os impactos do desenvolvimento científico e tecnológico; e mobilização popular, buscando ampliar as oportunidades e a qualidade da participação da sociedade na formulação e escolha de políticas públicas. A variedade de objetivos e abordagens sublinha as vastas possibilidades nas atividades de divulgação científica, atendendo a diferentes públicos e objetivos específicos.
A DC, assim como a ciência, precisa de investimento
Quando a confiança na validade das descobertas científicas é minada, abrimos espaço para a propagação de desinformação e mitos, comprometendo a compreensão correta de questões fundamentais. A falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento resultante da falta de reconhecimento da importância do avanço científico prejudica significativamente o progresso tecnológico. Por conseguinte, a divulgação da ciência, que em grande parte não recebe investimentos, também é prejudicada. A soma destes eventos de desvalorização também afeta a Educação, desmotivando estudantes a seguirem carreiras científicas e contribuindo para a falta de profissionais qualificados. Em um contexto mais amplo, a negação de descobertas científicas pode impactar a capacidade de enfrentar desafios globais, como crises ambientais e de saúde pública, e já temos visto este impacto no Brasil há alguns anos, com fuga de cérebros brilhantes para outros países. Ademais, a desvalorização da ciência compromete a tomada de decisões informadas em políticas públicas, substituindo evidências científicas por opiniões pessoais e prejudicando o respeito pela expertise de cientistas e especialistas. Portanto, a valorização adequada da ciência é essencial para o progresso, a Educação e o bem-estar da sociedade. E para que os conhecimentos produzidos pela ciência sejam divulgados há que haver financiamento para que a luta seja de igual para igual com os espalhadores de inverdades, para que a DC domine os mesmos espaços onde informações imprecisas e/ou falsas são facilmente disseminadas e viralizadas.
QUEM SÃO AS PESSOAS AUTORAS?
Lucas Herbert Gonçalves
Professor de Ciências e Biologia na Educação Básica, formado em Ciências Biológicas pela UFMG e mestre em Microbiologia pela UFMG. Co-coordena os projetos MicroUFMG e o podcast Microbios, apoiado pelo Instituto Serrapilheira, onde também é apresentador. Está envolvido na educação popular, coordenando o Pré-ENEM EducaAfro em Minas Gerais.
Viviane S. Alves
Graduada em Ciências Biológicas pela UFMG, Mestre em Ciências Biológicas (Microbiologia) pela UFMG, Doutora em Ciências pela UNIFESP, Pós-Doutora pela na UNIFESP, FIOCRUZ e Brown University (RI, USA). Professora do Departamento de Microbiologia (ICB-UFMG) e Mestrado Profissional em Ensino de Biologia em Rede Nacional (PROFBIO). Divulgadora científica nas redes sociais, idealizadora e coordenadora dos projetos @microUFMG e do podcast MicroBios apoiado pelo Instituto Serrapilheira.
FIQUE POR DENTRO
DESINFORMAÇÃO
É a utilização das diferentes formas de comunicação e informação para induzir a erro ou dar uma falsa imagem da realidade, por meio da alteração de informações verdadeiras, diminuindo a sua importância ou modificando o seu sentido, por vezes tornando a informação falsa. O objetivo da desinformação é influenciar a opinião pública para proteger interesses daquele que desinforma, por motivos pessoais, econômicos e políticos.
LETRAMENTO CIENTÍFICO
É a capacidade de empregar o conhecimento produzido pela ciência para identificar problemas, adquirir novos conhecimentos, explicar fenômenos que acontecem no universo e tirar conclusões baseadas em evidências. É uma ferramenta essencial para entender como a ciência e a tecnologia moldam nosso meio material, cultural e intelectual para sermos cidadãos críticos, capazes de compreender e tomar decisões sobre o mundo e suas mudanças.
CIDADANIA
É o conjunto de direitos e deveres dos indivíduos (cidadão) em um determinado território. Estes direitos e deveres devem andar sempre juntos, uma vez que o direito de um cidadão implica necessariamente em uma obrigação com outro cidadão. Em resumo, a cidadania determina um conjunto de direitos e deveres às pessoas que residem em um país..
CIÊNCIA
Do latim scientia, quer dizer conhecimento, é qualquer conhecimento e se refere aos métodos para adquirir conhecimento usando pesquisas organizadas e padronizadas, que são chamadas de método científico. O objetivo da ciência é compreender o Universo e como ele funciona.