Lucas Botti atualmente cursa o mestrado no Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR – UFRJ) e possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É associado ao Laboratório de Estudos das Transformações do Direito Urbanístico Brasileiro (LEDUB). Sua pesquisa é sobre as memórias da urbanização da favela de Brás de Pina, a primeira favela urbanizada pelo Estado no Rio de Janeiro.
O QUE TE FASCINA NA SUA PESQUISA?
Minha pesquisa busca, através das memórias dos moradores do bairro de Brás de Pina, resgatar as formas de resistência e os conhecimentos gerados na luta por melhores condições de vida – uma luta na qual os moradores foram protagonistas e atuaram como verdadeiros planejadores urbanos.
O caso da favela de Brás de Pina é singular na história das favelas cariocas. Esta foi a única que conseguiu resistir à política de remoção massiva entre os anos de 1962 e 1973 na cidade do Rio de Janeiro, conquistando o direito à permanência e inaugurando, já na ditadura militar, a primeira política de urbanização de favelas no país.
Para resistir à remoção, os moradores se articularam em torno de uma associação de moradores forte, com a participação de padres da igreja católica, imprensas locais e com a Federação das Associações de Favela do Estado da Guanabara (FAFEG). Após a vitória contra a remoção, os moradores se viram diante da necessidade de elaborar por conta própria um plano de urbanização que pudesse transmitir a visão dos favelados de que urbanizar é possível.
Nesse contexto, os moradores contrataram o escritório Quadra, composto por um grupo de arquitetos recém-formados que viam na favela a possibilidade de uma atuação profissional que fosse conectada à realidade brasileira. O interessante é que os moradores realmente foram os protagonistas do processo, realizando inclusive um censo demográfico de forma autônoma.
Através da minha pesquisa tenho contato com essa experiência pela perspectiva dos moradores que acompanharam a história quando eram jovens. Essas memórias permitem conhecer uma narrativa única que fornece novas informações sobre o episódio e que muitas vezes discorda da literatura consagrada.
É incrível pensar que a luta por melhores condições de vida levou os moradores a se apropriarem da linguagem técnica do plano urbanístico, que a princípio só era utilizado como dispositivo de dominação da população favelada.
O que mais me fascina na pesquisa é a possibilidade de, por meio das memórias locais, reconstituir um saber da organização e da luta dos moradores que deve ser valorizado como um conhecimento válido para o planejamento urbano e que pode – e deve – ser incorporado na elaboração das políticas públicas, especialmente nas políticas de urbanização de favelas.