O
laboratório está localizado no Morro Santo Amaro, no Rio de Janeiro. Lá eles se reúnem imersos em tecnologia e inovação, onde desenvolvem projetos de realidade aumentada, realidade virtual, produção audiovisual, impressão 3D, inteligência artificial, metaverso e NFTs. Recentemente, inauguraram uma galeria de artes (plásticas e digitais), que ficou conhecida como Galeria 2050.
Reunidos oficialmente há pouco mais de 1 ano, o 2050 surgiu em um momento no qual os integrantes – que atuavam de forma independente – perceberam que precisavam se reunir, se organizar e produzir juntos, a partir da habilidade de cada um, como um time. A partir daí, passaram a se reunir ocupando a casa do diretor criativo, Gean Guilherme.
O laboratório surgiu quando sentiram a necessidade de um aporte financeiro para desenvolverem um espaço de experimentações profissionais. A partir do financiamento coletivo, chegaram no valor de R$35.000,00 para estruturar o local, comprar os equipamentos e os móveis. Além disso, conseguiram doação de alguns equipamentos também.
Já a galeria nasceu primeiro dentro de um metaverso, para depois ganhar um espaço físico. Gean Guilherme conta como foi essa criação e como conseguiram incentivo para concebê-la no mundo físico:
Uma vez que eu praticamente nasci dentro de um ambiente digital – tava ali praticamente o dia todo – foi a forma que eu consegui para tirar isso do papel, construindo isso dentro de um metaverso. A nossa galeria nasceu dentro desse espaço virtual. E aí, a Meta, junto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, lançaram um desafio que foi o Metaversic Community Challenge – o desafio de comunidade do metaverso. Foram mais de 370 projetos inscritos entre América Latina e o Caribe, e apenas 10 projetos selecionados – aqui no Brasil foram 2, o nosso e o de uma galera do sul. Aí a gente conseguiu um aporte financeiro para tirar isso do papel e botar esse espaço no mundo. Eu acho que no momento em que tinha muita gente ali procurando entrar no metaverso, a gente já estava ali, criando coisas pro nosso mundo real, porque sempre existiu essa necessidade. E nunca deixando uma coisa ou outra. Era sempre conectando diferentes realidades e criando novas.
Velez, que é responsável pela impressão 3D e pela direção artística, ressaltou a importância de ser a primeira galeria de arte e tecnologia dentro de uma favela:
Eu acho irado também complementar que é a primeira galeria de arte e tecnologia dentro de uma favela. Dentro da nossa favela, né? É o primeiro espaço de acesso realmente à arte diretamente assim em formato de galeria. É a primeira galeria de arte e tecnologia que a gente conhece, pelo menos, dentro de uma favela. Acho que é legal também complementar que, dentro do nosso laboratório, a gente tem uns equipamentos também de filmagem, tem os drones, tem as câmeras, os ventiladores holográficos, que são uma tecnologia de marketing e branding muito boa para visualização de alguma marca. Temos isso, fora as coisas que a gente desenvolve conectando todas essas ferramentas. Temos a nossa ativação, que chamamos de espelho mágico, que é uma ativação que conecta várias realidades: conecta a realidade aumentada, conecta a TV, conecta LED, conecta algumas coisas. Então, além desses equipamentos, tem – acho que é o nosso grande trunfo – a capacidade da gente de conectar várias dessas novas tecnologias em uma só experiência.
Gean Guilherme também ressalta a importância de ser um coletivo e uma empresa dentro do território.
Foi uma jornada até hoje! Está sendo uma jornada até agora. Então, se a gente entende que é um coletivo, também entende a importância que é nos afirmar como uma empresa que está dentro de uma favela, um território.
O nome surgiu de um apelido que Gean Guilherme recebeu dos parceiros: “2050”. O apelido veio a partir da sua paixão por tecnologia, sempre interessado em pesquisar, aprender, desde muito novo.
Os caras me apelidaram de 2050. Eu já estava estudando toda a questão de branding e falei: isso aí é um nome interessante. E eu sonhei com uma agência de publicidade, mas a gente entendeu também que era muito mais que isso, sabe? Era toda uma história que vinha junto, todo um questionamento sobre o futuro, sobre o agora, sobre o passado, sabe? Então, ao mesmo tempo que 2050 é interessante porque conecta com questões tecnológicas e de inovação, faz a gente se perguntar muito se é sobre o agora, o momento que a gente está, e quais as condições que a gente tem para desenvolver novas tecnologias. Como que a gente consegue resolver os desafios diários do território? Então são várias questões.
Renata Lopes, que atua como produtora cultural e assessora, conta o seu ponto de vista sobre o trabalho dos meninos que viu crescer e a relação da galeria com a comunidade:
Eles são meninos incríveis e pensam muito na logística da comunidade e de como as pessoas veem. Porque, morando na comunidade, nós temos essa dificuldade de falar sobre tecnologia, sobre inovação, sobre arte, sobre novas realidades. E com a Galeria 2050 a gente está conseguindo fazer isso. A galera já está olhando diferente, as pessoas já estão querendo entender o que significa o futuro na tecnologia. E isso é muito bom para a gente. A gente está observando que o trabalho que está sendo feito dentro da 2050 está chegando na comunidade. Tem muita gente aqui que nunca tinha ouvido falar de tecnologia, de arte, de novas realidades.
E não é só pa’ra a comunidade; nós estamos com visitações de muita gente da rua, até de outros estados, que estão tendo um interesse de conhecer a galeria, de conhecer o nosso trabalho. Eu tenho certeza que tem muita coisa para vir ainda. Essa nova obra está dando um ar diferente nos nossos sorrisos, a gente está muito feliz com o que está acontecendo. Eu acho que a gente está conseguindo realizar os desejos para o que nós queremos para dentro da nossa comunidade. É sermos vistos como o futuro, com tecnologia e com arte aqui dentro.
Pensar a relação favela e futuro tem sido um tema de debate em diversos contextos, logo que as favelas têm sido vistas como locais de inovação social, justamente pelas soluções coletivas que são exemplos de resiliência, adaptação e inventividade que podem ser aplicadas a muitos contextos urbanos. Projetos que aliam arte, tecnologia e o aspecto social se tornam uma ferramenta poderosa para visualizar e buscar um futuro melhor, dentro das próprias comunidades.
Tendo isso em vista, perguntamos a alguns dos integrantes o seu ponto de vista sobre a favela do futuro. O produtor executivo, Jota, conta sua perspectiva, já que a sua experiência é diferente, pois se juntou ao coletivo depois dos integrantes iniciais e não é morador do Santo Amaro:
Eu acho que a minha perspectiva é um pouco diferente, porque, como o Velez falou, só eu e o Ottis não somos do Santo Amaro. Mas sou nascido e criado no Catete e Flamengo. Essa questão da favela do futuro é bem interessante. Eu acho que é sobre o que a Renata disse: aonde a gente está conseguindo chegar com o esforço e a dedicação dos moleques que abriram mão de várias coisas. Eles estavam desde o início, eu faço parte desde 2022, então é gratificante ver as coisas andando. No ano passado a gente fez vários projetos, um projeto com a LATAM que a gente fez lá no Santo Amaro, que a gente fez na Rocinha, teve o projeto em parceria com o Itaú. É maneiro porque se pra gente já é novo, imagina para as pessoas das comunidades, que às vezes não têm acesso? Às vezes a gente tá fazendo algum bagulho e perguntam: ‘Ah, o que vocês vão fazer, vocês vão fazer tecnologia? Vão fazer o futuro?’.
Eu gosto muito da nossa melhoria interna, muita coisa as pessoas não veem, né? Mas isso para mim é que é a favela do futuro. É isso o que cada um tá conseguindo alcançar, e eu falo que é porque a gente está unido, acho que é isso aí que é a favela do futuro: a melhoria nossa e que a gente está podendo trazer na vida das pessoas.
Luan, produtor artístico, que estuda moda e expande a marca em projetos relacionados ao assunto, nos contou um pouco sobre o que a 2050 tem proporcionado:
A arte salva, Mano. É o que está dando um monte de oportunidade para a gente. Até o ano passado eu nunca tinha andado de avião, nunca tinha ficado num hotel. E a 2050 está proporcionando isso. É trabalho, são novas conexões, novas amizades que o mundo está dando para a gente, e a gente está aí fazendo a diferença.
A arte salva, Mano. É o que está dando um monte de oportunidade para a gente. Até o ano passado eu nunca tinha andado de avião, nunca tinha ficado num hotel. E a 2050 está proporcionando isso.
Já Rxbisco, o ilustrador digital que atua na criação dos concept arts dos projetos e é conhecido por retratar de forma real a vida nas favelas do Rio de Janeiro, aborda a perspectiva social do coletivo:
Pra gente da 2050, o lado social bate muito para nós, a gente vê muitas coisas que acontecem aqui no morro, que lá na pista é totalmente diferente. Então, quando a gente fala de favela do futuro, a gente pensa num lugar, por exemplo, como se fosse Wakanda. Aqui é Wakanda… o pessoal olha e vê: cara, é um país, é um pedaço ali que ninguém bota um valor, mas tem um valor ali, tá ligado? E a tecnologia lá é muito forte, ajudou muito o pessoal. E aqui na 2050 a gente pensa nisso. Como a nossa tecnologia pode ajudar a comunidade. Como que uma impressão em 3D do Velez pode ajudar uma tia que não consegue andar direito e precisa de uma prótese… a gente sempre pensa muito nisso. Eu acho que, na minha visão, a favela do futuro é isso: a gente sempre ajudar o outro e deixar cada vez mais cada um de nós mais forte, não só a gente da comunidade. A 2050 começou com os cria, tá ligado? Começou com a gente. A reforma… era a gente que estava ali passando a massa na parede, carregando o material. Então, é isso que torna a 2050 e a gente forte.
Por fim, Velez aponta a importância do acesso para pensar o futuro nas favelas:
Acho que é muito sobre o acesso. Nós aqui mesmo sabemos como o acesso pode impactar nas nossas escolhas e no nosso futuro. Eu sou fruto desse acesso à tecnologia por um workshop dado pelo Gean. Eu tive acesso a essas novas tecnologias… eu já me entendia como artista, mas ele me mostrou esse novo universo da tecnologia e como a gente consegue utilizar essa tecnologia. Com o Rxbisco foi a mesma coisa, com o ClickByCria também… com o Gean também… Acho que a maioria das pessoas aqui na base são frutos desse acesso à tecnologia. Então, acho que a favela do futuro é muito sobre isso. A 2050 conversa muito sobre esse impacto que o acesso pode trazer, não só para a gente, mas também diretamente dentro do nosso território. Quando falamos de 2050 e sobre favela do futuro, falamos sobre acesso. Toda favela tem que ter um polo de acesso à tecnologia e arte dentro da favela, porque a gente sabe melhor que ninguém como pode impactar.
Em 2023, o coletivo venceu o Expo Favela no Rio de Janeiro, ganhou o Prêmio Band Inspira, desenvolveu projetos no Museu do Amanhã e, recentemente fez uma imersão tecnológica com o time da marca Kenner dentro do Morro Santo Amaro.
O time é formado por Gean Guilherme, Ottis, ClickByCria, Rxbisco, Osvaldin, Renata Lopes, Gb, Luan e Jota.