A afrodiáspora nas Américas foi vivenciada em diferentes territórios e culturas. Buenos Aires, Nova Orleans, Nova York, Cidade do México, Porto Alegre, Olinda, Rio de Janeiro entre tantas outras. A diáspora atlântica foi vivenciada em paisagens diversas. Hoje, através de coletivos que se reúnem virtualmente, podemos ver um novo lugar, sem fronteiras espaciais, para partilha de experiências.
Lélia Gonzalez, intelectual e feminista negra brasileira, nos anos de 1980, foi uma pensadora pioneira que abordou as diferentes trajetórias de resistência das mulheres negras e indígenas, no Brasil, na América Latina e no Caribe. Para isso, Lélia utilizou do termo “Amefricanidade”, primeiro criado pelo teórico lacaniano MD Magno, para criar um conceito que se insere na perspectiva pós-colonial, traçado pelas lutas e experiências vividas tanto da diáspora negra quanto pelo extermínio da população indígena nas Américas.
Outra expressão utilizada por Lélia é a “Améfrica Ladina”, que busca viabilizar explicitamente a presença dessas populações e reivindicar essa herança plural, para além do termo eurocêntrico que nomeia a América colonizada por países de língua portuguesa e espanhola.
“Agora, no caso na da diáspora virtual, é um novo deslocamento, desta vez intencional, para um novo espaço de convivência.”
Atualmente, existem diversas iniciativas nas artes, na ciência e na tecnologia que buscam reunir mulheres negras que vivem a diáspora nas Américas. Neste sentido, a Revista Humanos traz nesta reportagem um pouco sobre o trabalho do Coletivo Kukily, um coletivo afrofeminista internacional que trabalha através de formas interdisciplinares com performance, instalações e audiovisual.
Fundado no 31 Encuentro Nacional de Mujeres, em 2016, por Lina Lasso, Julia Cohen Ribeiro, Colleen Fitzgerald e Jasmin Sánchez, o coletivo tem criado novos espaços de trocas e de construção artísticas através das ferramentas tecnológicas que nos permitem romper a barreira da distância física. Os membros da Kukily tem diferentes nacionalidades e origens, como Argentina, Brasil, Colômbia, EUA e Libéria. Além disso, existe espaço para colaboração de outros artistas e membros da comunidade afrodescendente.
Jasmin Sánchez, em entrevista para a C& América Latina, fala sobre um conceito que chama de Quilombo Virtual. Aborda que, para além do aspecto tecnológico do termo virtual, podemos entender este como espaço e tempo diaspórico. É importante lembrar que diáspora define o deslocamento de populações originárias, na maioria das vezes, de forma forçada, para outros lugares. Agora, no caso na da diáspora virtual, é um novo deslocamento, desta vez intencional, para um novo espaço de convivência. Esse habitar coletivamente em um lugar suspenso resulta da soma de conhecimentos e culturas de diferentes lugares.
Embora o coletivo tenha começado com uma sede fixa em Buenos Aires, em 2018 migrou para o formato virtual. Nos últimos dois anos e meio, o isolamento imposto pela pandemia de Covid-19 permitiu criar novas maneiras de produzir. Isso trouxe potenciais que talvez não seriam descobertos de maneira tão ágil, como a adaptação das performances presenciais para o virtual.
Coleen Fitzgerald conta: “Como é importante para nós nos conectarmos! E o Kukily permite isso. Nós somos de três diferentes países e nos conectamos através de ligações e vídeo. Mas a pandemia impulsionou mais encontros como este. E, infelizmente, em nossa diáspora, nem todos tem o privilégio de poder viajar fisicamente para estes lugares para encontrar pessoas, então que ferramenta incrível e poderosa que o meio virtual é para estarmos juntos aqui hoje. Estou falando de algo particular para nós que vivemos a diáspora.”
Kukily é uma palavra que pertence a língua Kpelle, da Libéria. Significa “todes nós, cada umx de nós/todes nosotrxs, cada unx de nosotrxs/ Everyone of us, all of us together”, conforme tradução do grupo. Representa a força coletiva, ou como afirma Lina Lasso, permite “reconhecer a força das companheiras e transportar para todas nós”.
Os trabalhos do coletivo envolve diversos temas, por exemplo “Celebrar a Existência” e “XTRÆNCESTRAL” discutem o princípio de subsistir no mundo.
Atualmente preparam um projeto para a International Biennial for Contemporary Art, Architecture, & Design 2023, traduzida como Bienal de Lagos, que ocorre na Nigéria. Este traz a proposta de refúgio como obra de arte, como um convite, para a partir desta cosmovisão da arte africana, encontrar o que é o passado, o que é o ancestral, e projetar tudo isso em um futuro utópico e não distópico.
Júlia Cohen Ribeiro conta que, a partir do entendimento de que há algo na base dos coletivos que mantem suas existências, o trabalho trata de processos que falam de refúgio, de espaços de encontro e de segurança que fortalecem tantos os indivíduos como a comunidade. O projeto, que conta com a arquiteta afroargentina Florencia Gómez Assim, tem como instalação uma nave espacial.
Colleen Fitzgerald conta em entrevista para a C& América Latina que “desde o início, o sonho era que essa nave viajasse conosco de comunidade em comunidade de afrodescendentes por diversas partes do mundo. Para a maioria de nós, essa é a primeira vez na África. Uma parte do projeto em si tem a ver com pensar e sonhar o futuro, criando futuros melhores do que o momento em que vivemos. Essa nave espacial vai seguir sua viagem para onde tiver que ir, disso eu tenho certeza.”