Seja Batata Frita Murcha ou Collant sem Decote, ou até mesmo o saudoso Quarto Mundo. Trabalhar com coletivos é uma prática no universo brasileiro dos quadrinhos. Em todo canto – Paraíba, Amazonas, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e mapa a dentro: não resta um lugar que não tenha um coletivo de quadrinhos produzindo e editando seus trabalhos.
Seja por vontade de fazer arte colaborativa, apoiar causas, incentivar trabalhos, ou pela troca despretensiosa entre pessoas que compartilham do mesmo interesse. A paixão em comum une esses grupos de pessoas que têm uma força maior do que até mesmo eles imaginam.
Entre tantas histórias, a dos coletivos nos quadrinhos no Brasil não é nova. Já existiam antes, mas desconfio que foi no início dos anos 1970, quando Laerte Coutinho e Luiz Gê começaram e criaram a Revista Balão, junto com outros jovens universitários que se criou a configuração dos coletivos como conhecemos hoje. Lançaram a primeira semente.
Dali em diante outras surgiram: Circo, Chiclete com Banana e Níquel Náusea são algumas das revistas que reuniam diversos quadrinistas. Eram poucas, mas fizeram grande sucesso. Não havia internet, e talvez fosse difícil imaginar a profusão que brotaria depois, no período da web. As redes virtuais possibilitariam um boom pelo imenso alcance e rapidez de comunicação.
Nas décadas de 1970 e 80, ainda havia uma circulação nacional de revistas impressas. Foi depois dos anos 1990 que este setor quebrou e – concomitantemente – começaram a surgir os primeiros – e ainda primitivos – traços de tirinhas virtuais. Este novo ambiente se tornou um terreno fértil e, enfim, nasceram as webcomics e, com elas, uma explosão de coletivos online.
Se engana quem pensa que a cibercultura causaria qualquer tipo de limitação em relação às trocas presenciais. Pelo prazer de estarem juntos, seja nas feiras ou nas lojas, ou até mesmo em grupos de estudos universitários, esses amantes dos quadrinhos também viriam a criar uma espécie de comunidade.
As lojas de quadrinhos, por exemplo, criam uma rede em seu entorno. Para citar apenas algumas espalhadas pelo Brasil: a Ugrapress, em São Paulo, a Comic House, na Paraíba e a Itiban Comic Shop, em Curitiba, não se furtam a fazer eventos e reunir seus agregados.
Outro motivo pelo qual este grupo gosta de se reunir, online ou presencialmente, é para incentivar trabalhos. Participar de feiras ou fazer financiamento coletivo são uma forte iniciativa de quem ama ler e fazer quadrinhos – e que se apoia, quando fora da indústria, precisa arrumar meios independentes para isso.
Existem coletivos que se unem por causas, como a das mulheres, que tem fortes atuações em grupos como as do MinasdeHQ, M.A.R, Mátinta, entre outros. Ou também por causas territoriais, que se unem para impulsionar o empreendedorismo local periférico, como O Corre Coletivo, nas quebradas de SP, e o Capa Comics, na Baixada Fluminense do RJ.
Acredito que essa união não é apenas uma troca superficial, mas – como ia dizendo – que esses laços são mais fortes do que muitos podem imaginar. Digo isso pois tive o prazer de entrevistar mais de 30 quadrinistas do Brasil ao longo da minha trajetória. Ouvindo e registrando suas histórias, circulando por movimentos e feiras. E de uma coisa não tenho dúvidas: a rede de quadrinistas independentes é poderosa e solidária.
Ora, não estou dizendo que os outros tipos de artistas não são. Mas nesse meio, eu vi muitas coisas bonitas acontecerem nos últimos anos. Só aqui no Rio de Janeiro, de onde escrevo, houve três momentos que me marcaram: quando perdemos o João Carpalhau, o Otinha e durante a tragédia de Petrópolis, quando houve a solidariedade ao youtuber Alessandro Garcia, que perdeu sua família. Numa perspectiva mais ampla, durante o Prêmio HQMix 2021, apresentado pelo Sesc São Paulo via YouTube, houve um momento coletivo pelos queridos quadrinistas que se foram durante a pandemia de Covid-19.
Tudo isso me fez pensar que a força destes coletivos de arte não se dá apenas no trabalho de muitas mãos, mas principalmente no compartilhamento das memórias de grupo. Na troca entre artistas, que mesmo que nem sempre estejam assinando juntos, estão de mãos dadas (mesmo que temporariamente para poder voltar a desenhar logo).