O Afrofuturismo é um movimento cultural e artístico que une elementos da cultura africana e da ficção científica para imaginar futuros alternativos que tem ganhado destaque significativo no Brasil contemporâneo. Com suas raízes profundas na diáspora africana e na luta contra o racismo, o Afrofuturismo no país está emergindo como uma poderosa ferramenta de expressão, empoderamento e reimaginação das narrativas negras.
São diversas as maneiras pelas quais o Afrofuturismo se manifesta na arte. A literatura desempenha um papel crucial, já que é uma estética derivada da ficção científica, mas não apenas na escrita, vemos grande influência na música, no audiovisual, nas artes visuais, até nos games, por exemplo.
No Brasil contemporâneo essa estética influencia grandes autores e intelectuais como Conceição Evaristo e Abdias do Nascimento, que usam a ficção especulativa para abordar questões de identidade, racismo e desigualdade. Suas obras desafiam as convenções literárias tradicionais, permitindo que a imaginação voe livremente em busca de um futuro onde a igualdade racial seja uma realidade.
Alguns nomes na literatura de ficção científica são Fábio Kabral , Lu Ain-Zaila e Kinaya Black. Fábio Kabral é autor dos romances “Ritos de Passagem”, “O Caçador Cibernético da Rua 13” e “A Cientista Guerreira do Facão Furioso”. Também é cofundador do site O Lado Negro da Força, que promove e fomenta a presença negra na cultura pop, além de candomblecista iniciado no Ilê Oba Às̩e̩ Ogodo. Essa última informação é fundamental para entender a obra de Kabral.
Lu Ain-Zaila, é de Nova Iguaçu, e lançou a primeira obra de ficção especulativa protagonizada por uma heroína negra – a saga “Duologia Brasil 2408”, composta por dois livros: “(In)Verdades” e “(R)Evolução”. Sua coletânea de contos “Sankofia” nos mostra as inúmeras possibilidades do gênero afrofuturista, como no conto “Ode à Laudelina”, por exemplo, ela fala sobre empregadas domésticas unindo ficção científica, terror social e outros gêneros.
Kinaya Black, também conhecida como Afrofuturista Cearense, é autora do livro “EU Conheço Uzomi”, do conto “Te Encontro no Futuro” e “Versos Livres, Como Nós”. Ela é pesquisadora do Afrofuturismo na literatura e audiovisual, tradutora e bordadeira. “Eu conheço Uzomi” tem uma narrativa que se passa em um governo que privilegia a elite, detentora de um padrão de vida altamente tecnológico, escolas e demais serviços públicos foram desativados para esta população. E conta a história da professora Hadassa, que mora no sertão do Ceará com sua família, e após perder o emprego passa a trabalhar em uma fábrica, onde os empregados são levados por ônibus e não possuem qualquer lembrança do percurso ao desembarcarem. Entre idas e vindas, Hadassa conhece Uzomi com quem desenvolve um relacionamento, porém constantes desaparecimentos mudam a vida do casal e de seus amigos.
Indo além, podemos citar ainda a influência de Ale Santos no universo dos games. Ele é autor de sci-fi e fantasia afroamericana, mas também é roteirista especializado em games e storytelling. No twitter ganhou fama e se conectou com a comunidade gamer, com postagens e comentários sobre jogos. Seu último livro “O Último Ancestral” será adaptado para o audiovisual (mas ainda não temos data de lançamento). A narrativa traz a realidade da luta contra a exterminação da população de Obambo – que remete a realidade das favelas brasileiras. Em um trecho do livro, a personagem Moss afirma: “Lutar sozinho é um ato de legítima sobrevivência, mas, quando nos unimos às lutas dos outros que têm o mesmo desejo de viver, esse ato se torna uma revolução” e é seguido pela resposta de Eliah e Hanna: “É Nóis”.
O Afrofuturismo na ficção científica tem um importante papel nas discussões e lutas sociais contemporâneas, como exercício de imaginação e especulação, traz tanto reflexões inovadoras sobre o mundo atual, como propostas para mudanças.
Dentro de outras linguagens da arte, podemos ver a influência visual, sonora e de pensamento. Na música, por exemplo, essas influencias refletem nas obras de artistas como Emicida e Baco Exu do Blues, que incorporam elementos afrofuturistas em suas letras e performances, conectando a herança cultural africana com questões sociais contemporâneas. Eles exploram a ideia de que o passado, presente e futuro estão interligados, destacando a importância da ancestralidade na construção da identidade.
Outros nomes interessantes que bebem nesta referência são Jonathan Ferr e Ellen Oléria. Jonathan Ferr é uma das grandes apostas no atual cenário do jazz brasileiro, com influências no hip hop, funk, soul e música eletrônica. E Ellen Oléria é uma cantora e compositora natural de Brasília, que no seu disco chamado de “Afrofuturista”, traz desde a capa marcada por essa estética, até nas letras de músicas como “Afrofuturo”, e na sonoridade, buscando novas propostas sonoras para a música brasileira.
Nas artes visuais, artistas como Ayrson Heráclito e Eder Muniz usam o Afrofuturismo para criar instalações e obras que exploram a experiência negra no Brasil e no mundo. Suas peças muitas vezes incorporam elementos de tecnologia avançada, criando uma ponte entre o passado, o presente e o que está por vir.
Um artista versátil é No Martins, que utiliza técnicas da pintura, performance, instalação e experimentação com objetos. Suas pesquisas estão no campo das relações interpessoais no cotidiano e questões raciais, passando pela violência policial e o encarceramento em massa. Já Felipe Borges, tem uma pesquisa está relacionada à tradições africanas com foco na arte Etíope e Egípicia. A cultura Rastafári também tem forte influência nas suas criações. Ele desenvolve trabalhos de murais pela cidade, pinturas em telas e ilustrações digitais e trabalha com arte e educação.
Uma técnica bastante utilizada dentro desta estética é a colagem. Um nome expoentes deste movimento são Senegambia, Silvana Mendes e Rynnard. Senegambia é artista carioca trabalha com fotomontagens, a partir da abordagem da iconografia da religiosidade e cultura iorubá. Silvana Mendes, é artista visual maranhense, ela usa como suporte artístico a colagem digital, o lambe, o muralismo e a fotografia afetiva e trabalha com a desconstrução de visualidades negativas e estereótipos imposto em corpos negros, tentando ressignificar símbolos e visualidades. Rynnard é artista visual, publicitário e designer gráfico natural da região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Sua pesquisa artística perpassa memória e fotografia, colagem digital e cultura afro-brasileira.
O Afrofuturismo não é apenas uma expressão artística; é também uma forma de resistência e um chamado à ação. No Brasil, onde o racismo persiste como uma ferida aberta, o Afrofuturismo serve como um convite para reescrevermos a história e construirmos um futuro em que todas as vozes e culturas tenham igualdade de espaço e oportunidade.
No Brasil contemporâneo este tem sido um movimento em crescimento que desafia as fronteiras do tempo e da realidade. Por meio da música, literatura, artes visuais e ativismo, os artistas e pensadores afrofuturistas estão reimaginando o futuro do país, colocando a narrativa negra no centro da conversa e inspirando esperança para uma sociedade mais justa e inclusiva.