O ecológico, o orgânico e o digital têm se conectado na arte contem-porânea frente à urgência da crise global causada pela era do antropoceno. Na América Latina, surgem diversas ini-ciativas tanto entre artistas latino-america-nos, como em espaços culturais. O Museo del Hongo, por exemplo, é um museu itinerante chileno criado em 2016, focado em explorar o universo dos fungos, tanto na arte quanto na pesquisa científica. Entre os artistas, podemos citar o trabalho pós-apocalíptico do artista ar-gentino Adrián Villar Rojas, com instalações como Mi familia muerta (2009) ou o projeto Botannica Tirannica (2022), da artista Giselle Beiguelman.
Nesse sentido, a Revista Humanos traz nes-ta reportagem um pouco sobre a publicação “Eco-Lógicas Latinas”, que apresenta uma cartografia de artistas e pro-jetos latino-americanos que trabalham com as múltiplas lógicas eco-lógicas da atualidade, considerando o equilíbrio e a relação entre os seres vivos – animais, vegetais, artificiais –, e seus ambientes diretos e indiretos, incluindo o digital.
A editora Act. já havia se dedicado a pensar a América Latina quan-do publicou, em 2022, “Onde Vive a Arte na América Latina”, indicada ao Prêmio Jabuti deste ano. Nesse momento, ela apresentou uma sele-ção de 35 espaços de criação e de exibição que são referência no con-tinente. Agora, na publicação “Eco-Lógicas Latinas” trouxe um recorte temático focado em Arte, Ciência e Tecnologia.
O olhar sobre o encontro entre a imaginação artística e os conhe-cimentos tradicionais traz uma reflexão sobre como essa discussão é capaz de apontar um caminho para um futuro possível.
Apresentando os perfis de doze artistas e iniciativas culturais que atuam na intersecção da arte, da ciência e da tecnologia, a produção traz textos biográficos e comentários sobre obras específicas. A publi-cação traz também, em formato de sessão do livro, uma exposição.

“Vitalidades” foi concebida pela curadora Bea-triz Lemos, do MAM Rio e exibe uma seleção de obras que se põem em diálogo como se estives-sem expostas em um espaço físico. A mostra impressa expõe 16 artistas que questionam a ideia de ecologia ocidental. Em referência aos 16 odus (caminhos, em iorubá) do jogo de búzios, apresentam 16 possibilidades dentro do cam-po ecológico, explorando múltiplas linguagens contemporâneas.
O livro traz também um glossário que de-talha termos que relacionam ecologia ao con-tinente latino-americano, como Abya Yala, con-ceito utilizado por povos originários da América Latina para se referirem a esse território.
A Revista Humanos conversou com Fernan-do Ticoulat, curador e organizador do projeto junto com João Paulo Siqueira Lopes, que nos contou um pouco mais sobre o processo do projeto Eco-Lógicas, cobre o conceito do livro e reflexões sobre temas urgentes para o planeta como os problemas causados pela era do antro-poceno e como a arte latino-america tem apon-tado soluções globais.
Poderia nos contar um pouco sobre o processo de feitura do livro?
“O que é interessante notar é que esse livro é um projeto de pes-quisa. A gente tinha um ponto de partida, mas não sabia exatamen-te como ele ia terminar. E aí as coisas foram acontecendo de uma maneira bastante orgânica. O ponto de partida foi a definição do que é ecologia. Ecologia tem uma definição dupla. Ela significa o estudo de como os seres vivem entre si e no seu meio ambiente. Então tem essa dupla definição, assim que a gente entendeu. E a partir disso a coisa foi se desenvolvendo para múltiplos caminhos.
Fomos seguindo caminhos subterrâneos, digamos, e encontran-do alguns que dialogassem com esse tema que é bastante amplo. Ecologia quer dizer muitas coisas e aí a gente teve que escolher aqui-lo que a gente queria apresentar. Por exemplo, fugimos um pouco de pautas ambientalistas, no sentido do “salve as baleias” para uma coisa mais utópica e romântica, para assim discutir tensões maiores do que pode ser entendido como ecologia.
Então é um livro que se discute questões ambientais, mas tam-bém vai muito além. Discutimos inteligência artificial, como no pro-jeto da Gisele Beiguelman e enfim, como nossos padrões de lingua-gens são muito heteronormativos. No projeto da Maria Tereza Alves, discutimos a migração de povos forçados através das sementes que vão viajando de um lugar para o outro, Então tem plantas nativas do Brasil no Central Park porque o navio ia do Brasil até lá e essas sementes estavam na terra que eles usavam como lastro. O Adriano Villaroas tem toda uma discussão de um futuro distópico e aí também tem os artistas do Chaco Paraguaio, os artistas indígenas que trazem mais para uma discussão do destrui-mento do meio ambiente deles, deu para tra-zer várias facetas diferentes que tocam essa ampla dupla definição do que é ecologia.
E aí por exemplo nesse processo de pes-quisa a gente percebeu que a discussão tinha muitos termos próprios e decidimos fazer um glossário de termos e de palavras que dialo-gam com o projeto. Então o livro começa com um glossário porque a gente percebeu que era importante dar os termos nos quais a gente iria discutir as relações entre arte e ecologia.

Como vê as iniciativas em prol da questão ecológica na arte latino-americana e a questão do impacto da era do antropoceno no mundo?
É como uma resposta, uma maneira de tencionar e de refletir sobre o antropoceno, tanto os seus problemas quanto suas possíveis soluções. Aí eu acho que a arte latino-americana tem muito para entregar. Muito mais do que a arte norte-americana ou europeia. Primeiro que somos muito mais vítimas, né? Dessa história toda do que o vilão da história, né? Mas enfim, agora é um problema de todo mundo, é um problema do mundo planetário e a resposta também tem que ser meio que global e planetária. Aí eu acho que a arte latino-americana colabora muito. Por exemplo, tem todas as tradições indígenas que a solução do antropoceno passa pelo resgate desses saberes e dessas tradições, então eu acho que tem uma cultura a ser explorada na América Latina como contraposição a essa questão toda do antropoceno. E inclusive o título tem muito a ver com isso.
Ecológicas é no sentido de que a gente precisa pensar outras lógicas para um desenvolvimento sustentável da sociedade, do ponto de vista ambiental, social, econômico e tal. Então eu acho que a arte tem muito um papel de oferecer alternativas sabe? De sair do ordinário, do dia a dia, apresentar certas coisas que estão ocultas ou esquecidas ou rearticular de uma maneira que o dia-a-dia não consegue rearticular. Abrir poros de pensamento, sabe? Então a ideia desse projeto de pesquisa foi justamente apresentar lógicas diferentes de se pensar a questão do antropoceno, do ecológico, da relação homem-natureza e aí realmente a arte latino-americana tem um uma posição privilegiada para oferecer essas diferentes lógicas.

Giselle Beiguelman. Botannica Tiran-nica, 2022. Vista da exposição, Museu Judaico de São Paulo.

Giselle Beiguelman. Série Flora mutandis, 2022.