O convite para escrever sobre a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade a partir da perspectiva do conhecimento me parece bastante interessante e instigante. Afinal, o termo “conhecimento” é polissêmico e pode ser apreendido de diversas formas. “Conhecer” pode significar desde ser apresentado, ver, visitar ou manter relações pessoais com alguém até o domínio aprofundado de um tema. E me parece interessante que muitas pessoas interessadas na questão da deficiência procurem formações, referências e informações produzidas por pessoas sem deficiência, aumentando seu conhecimento sobre o tema, mas mantendo um distanciamento das pessoas cujos corpos são atravessados por essa condição.
Como sou uma mulher sem deficiência, me questiono bastante sobre o meu lugar de fala em relação ao assunto que justifique que eu ocupe essa coluna falando sobre ele. Acredito que a resposta possa estar nos meus diversos conhecimentos em relação à temática. Talvez, o principal seja o fato de conviver diariamente com uma pessoa com síndrome de Down desde 2010, quando do nascimento da minha filha Beatriz. E de forma complementar também pelo fato de, desde então, eu ter me tornado uma pesquisadora da área e ativista pelos direitos das pessoas com deficiência.
Mas, por mais que venha estudando de forma ampla e aprofundada o assunto, não hesito em dizer que, para mim, os maiores aprendizados vieram da convivência em casa, no trabalho, nos momentos de lazer e nas redes sociais com pessoas que experimentam essa condição. Desde que a deficiência entrou na minha vida, passei a intencionalmente contratar pessoas nessa condição para compor minhas equipes e construí com elas laços de respeito, amizade, companheirismo e afeto.
Essa busca partiu de uma situação que ocorreu logo após receber na maternidade o diagnóstico de deficiência da minha filha. Na ocasião fiquei bastante impactada, assustada e angustiada com o que mudaria na vida da nossa família. Ao compartilhar minhas inquietações com Luiz, meu filho mais velho, que na época tinha 14 anos, lembro ainda hoje da naturalidade da sua reação. Ele me disse que ia ficar tudo bem. Quando o questionei dizendo que ele não sabia do que estava falando, ele respondeu que sabia sim, pois tinha uma colega com a mesma deficiência da Beatriz na turma e ela era uma menina legal que tinha amigas, namorado e uma vida social, assim como os outros colegas e colegas da turma. Diante do assombro com a informação que até então eu desconhecia, perguntei o motivo dele nunca ter falado dela pra mim. A resposta dele foi que ele não costumava falar comigo sobre meninas.
Mais de dez anos se passaram e a fala do Luiz continua ecoando em mim. A colega a que ele se referiu era para ele mais uma das meninas da turma. É claro que ele notava as tantas diferenças que existiam entre eles, mas a deficiência não era motivo para que ela se tornasse assunto das nossas conversas. Eles não eram próximos, mas ela era alguém com quem ele sobretudo se reconhecia na sua condição de adolescente.
Compartilhar os ambientes da sociedade é fundamental para o combate aos preconceitos. É no vazio, no desconhecido, no não saber, que reside o espaço para a imaginação do que pode vir a ser algo que não se conhece. E a imaginação, na maioria das vezes, nos leva para lugares muito distantes da realidade. Somente depois de conhecer podemos reconhecer. É na convivência cotidiana, desmistificada, que se percebem as diferenças como parte da nossa condição humana, que podemos exercitar a empatia, construir relações de afeto e respeito e reconhecer que pessoas com deficiência devem frequentar os mesmos espaços, acessar diversas oportunidades e viver suas vidas plenamente com autonomia e independência como qualquer outra pessoa. Isso não é favor, não é concessão, não deve vir da pena. É direito, fruto de muita luta e dessa forma deve ser reconhecido por toda a sociedade.
QUEM É MARIA ANTÔNIA GOULART?

Assessora do Departamento Regional do Sesc Rio. Mestre pela Fiocruz, bacharel em Direito pela Universidade de Brasília. Fundadora do Centro de Referências em Educação Integral e do Movimento Down, É membro da Iniciativa do Unicef do Livro Didático Digital Acessível e consultora de projetos na área de educação, inclusão, tecnologia e empreendedorismo.