“Os anos das nossas infâncias passaram e, ao olhar o mundo agora em pleno 2023, pós-período de pandemia, temos a sensação de termos voltado a 1904, mais precisamente no período da famosa revolta da vacina.”
Quando pensamos em futuro, imaginamos objetos tecnológicos, ultramodernos e de última geração. Quem nunca, durante sua infância, assistiu aos desenhos dos Jetsons e se imaginou vivendo em um futuro como aquele? Carros voadores, robôs em todas as casas e um mundo avançado não apenas tecnologicamente como também socialmente.
Os anos das nossas infâncias passaram e, ao olhar o mundo agora em pleno 2023, pós-período de pandemia, temos a sensação de termos voltado a 1904, mais precisamente no período da famosa revolta da vacina. Lembro-me de estudar sobre esse assunto na escola e me perguntar como as pessoas podiam acreditar que aquela vacina era na verdade um complô para matá-las?!
Cento e dezenove anos se passaram e aqui estamos nós, mais perto do cenário de 1904 do que dos anos tecnológicos de 2062 (retratado pelo desenho). É ainda mais assustador quando pensamos que faltam apenas trinta e nove anos para chegarmos a época tecnológica que foi idealizada há tanto tempo atrás pela referida ficção, mas que na verdade, ainda é muito distante do futuro que atingiremos diante de todos os cenários que existem.
Quando falamos em educação, o cenário se torna ainda mais distante. Feche os olhos e imagine uma sala de aula do século passado. Imaginou? Agora feche os olhos novamente e imagine uma sala de aula desse século. Quase nenhuma diferença, né?
O tempo tem passado, os futuros têm se reinventado a partir das decisões que tomamos no hoje, o planeta Terra está cada vez mais com os dias contados, prestes a entrar em um colapso, mas ainda assim não fomos capazes de reinventar e mudar as estruturas de processo de ensino e aprendizagem da nossa sociedade.
Reproduzimos um sistema educacional falido em conteúdo, currículos e grades. Grades essas que nos aprisionam, que nos tiram a visão, que limitam nossos sonhos e nos impedem de pensar diferente. Moldamos nossos estudantes para pensarem apenas de uma forma, pois precisamos de mais produções, mais produtos, mais mão-de-obra. E desse jeito, idealizando apenas um futuro que, já não é tão distante assim, criamos e reinventamos coisas em nossos laboratórios, brincando de Deus, e de criador.
Afastamos o ensino e a aprendizagem da terra, do conceito que vem do chão. Afastamos as gerações do convívio com o que há de mais tecnológico nesse planeta: a vida! Vamos inventando, reinventando e criando futuros a partir do caos que formamos em nosso presente. Buscamos soluções estapafúrdias para solucionar problemas que nós mesmos criamos. Continuamos aqui, a escrever, produzir, criar, mas já sem tanto sonhar, porque o futuro que nos espera já não é tão acolhedor.
Negamos a Ciência, negamos as Ciências, os conhecimentos, negamos a terra, negamos seus sinais, tudo em busca do progresso, do poder. Como bem disse Krenak em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo”:
Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estão totalmente alienados do mínimo exercício de ser? A modernização jogou essa gente do campo e da floresta para viver em favelas e em periferias, para virar mão de obra em centros urbanos. Essas pessoas foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e jogadas nesse liquidificador chamado humanidade. Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos.
Reproduzimos, em nossas salas, conceitos capacitistas, racistas e discriminatórios, porque não há tempo para pensar e refletir. É preciso produzir e produzir rápido, é preciso viralizar meu conteúdo com algum reels engraçado, ou entrar em uma trend para ser um educador moderno. De tanto olhar para frente, esquecendo do que se passou e como passou, inventamos um futuro vazio, frio e distante. Qual o segredo de educar uma geração tecnológica? Qual o segredo de inventar futuros? Qual a estratégia para que o processo doloroso que vivemos na pandemia não fique apenas marcado nos livros de história?
É preciso cultivar, descalçar os pés, colocar as mãos na terra. É preciso expandir memórias, não para as nuvens, mas para dentro de nós.
QUEM É PRISCILA PINCOS?
Priscila Pincos é professora das infâncias e pedagoga com especialização em Psicopedagogia, educação inclusiva e ensino estruturado para pessoas com TEA.